Muito se fala sobre o tal "gado" do bolsonarismo. A credulidade acrítica, o seguidismo fanático e irracional, a incapacidade de pensar com a própria cabeça mesmo frente a óbvias mentiras, etc. atingem, de fato, níveis impressionantes e únicos nessa corrente política.
A esquerda se julga melhor. E de fato o é. Mas quanto?
Vejam essa polêmica sobre o PL dos trabalhadores da Uber. Enquanto o bolsonarismo, como sempre, espalhou desinformação a rodo, com direito a todo pânico apocalíptico possível, a esquerda simplesmente saiu comemorando, como se o projeto fosse uma baita conquista.
Até dá pra tolerar a modéstia de quem acha que é melhor isso do que nada, mas a repercussão entusiasmada é simplesmente "cringe", como dizem os mais jovens. Qualquer um inteirado em direito do trabalho encara a coisa com um misto de tristeza e incredulidade: como diabos vamos normalizar jornada de 12h (sem o tempo de espera do motorista!) e ausência de salário minimo? Não é incoerente ver uma grande vitória no caso atual e se indignar com a reforma trabalhista do Temer, que também argumentava que era "melhor legalizar do que nada"?
A adulação servil também foi o comportamento visto em relação ao tal novo arcabouço fiscal, um teto de gastos com botox. Na verdade, é o hábito em relação a qualquer coisa, pois a prática do ecossistema de esquerda nas redes é bater palma para todo e qualquer feedback que venha do governo. Lembram da fórmula do "governo em disputa"? Era utilizada pela esquerda para defender uma política de relativa e sóbria independência (críticas ou elogios a depender das circunstâncias), apesar de raramente ter sido implementada nos anos prósperos do lulismo. Pois bem, quando o governo está cada vez menos em disputa (vamos ser sinceros, a Fazenda é um apêndice do mercado financeiro), menos se aplica esse aconselhável distanciamento crítico.
Já o outro lado da frente ampla (mercado e monopólio da mídia) faz exatamente o contrário. São governistas quando o Planalto atende à sua linha ou quando é pra bater no inimigo comum, mas disputam o tempo todo a orientação política oficial quando ministros ou ou o Lula agem com mais independência em relação a seus interesses (vejam a gritaria em torno da política externa ou do esboço de política industrial). Unidade e luta, como tem de ser. Talvez a esquerda tenha muito a que aprender com eles.