CRISE CLIMÁTICA

Mudanças climáticas, geopolítica e créditos de carbono - Por Ricardo Soberón

Deveríamos tender não para um crescimento econômico contínuo, mas para satisfazer as necessidades humanas, autossuficiência e redistribuição

Floresta Amazônica.Créditos: Wikimedia Commons
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O principal problema ambiental enfrentado pela humanidade nesta era do Antropoceno é o causado pelas mudanças climáticas devido às emissões de gases de efeito estufa, como o carbono, provenientes do modelo industrial extrativista predominante em todo o mundo. Antes de se tornar um problema global, já havia sido discutido um novo conceito de desenvolvimento que transcende o quantitativo material, avançando em direção à sustentabilidade (1987). Entre os dois regimes - ambiental e de desenvolvimento -, o objetivo é que a humanidade ou parte dela possa alcançar a neutralidade climática até 2050. No entanto, infelizmente, um assunto que deveria ser técnico-científico não escapa ao uso geopolítico desses instrumentos, dependendo de quem os utiliza.

A existência de um regime jurídico universal não foi suficiente, nem Painel das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992 e em vigor desde 1994), nem o Protocolo de Kyoto (1997 e em vigor desde 2005), nem o Acordo de Paris de 2015, nem as Conferências das Partes (até a atual COP 29). Apesar dos avanços evidentes, não conseguiram adotar medidas decisivas em termos globais. Portanto, é dentro desse complexo quadro regulamentar global e em meio a uma situação de guerra na Europa que devemos entender as reais possibilidades do processo de transição energética (descarbonização) ou as possibilidades de uma mudança no modelo econômico global.

Existem grandes diferenças de percepção entre os 193 países do mundo, desde os industrializados até os mais pobres, dependendo de sua responsabilidade nas emissões de carbono (EUA, China e Índia). Além disso, afeta de forma diferenciada o comércio, a segurança, a economia e o meio ambiente de cada país. Nesse sentido, é muito difícil estabelecer um padrão único. Os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas já destacaram a situação crítica em que a humanidade se encontra e propuseram diversas medidas para tentar mitigar ou reduzir esse problema.

Diante de um problema tão complexo, surgiram os mercados de carbono para a comercialização de créditos de carbono, conhecidos como mecanismos de descontaminação através dos Certificados de Redução de Emissões (CERs). Por meio desses mecanismos, os países desenvolvidos - e suas empresas domiciliadas - que fazem parte do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto podem comprar certificados de emissões reduzidas dos países menos desenvolvidos, onde frequentemente estão localizados os sumidouros de carbono (florestas primárias, plantações florestais). Esses documentos são de dois tipos, obrigatórios e voluntários; assim, trabalha-se com três tipos de instrumentos: licenças, certificados por projeto (CDM, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e certificados voluntários (MDL, Mecanismos de Desenvolvimento Limpo). Atualmente, existem até quatro mercados de carbono reconhecidos. Como se pode observar, foi criado um complexo dispositivo financeiro internacional Norte-Sul, que supostamente deve ajudar a reduzir o problema.

Em alguns casos, como na Europa, trata-se da implementação de medidas comerciais como o MCA (Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira), que tem sido debatido em todas as instâncias europeias e obriga os países importadores a calcular as emissões e, numa segunda etapa, a comprar créditos de carbono. Em 2021, os países membros do G7 estabeleceram o Clube do Clima, comprometendo-se a fixar preços para o carbono emitido em seus territórios. Por sua vez, os países em desenvolvimento veem isso como mais uma medida protecionista que não ajuda a fechar as grandes lacunas sociais; novamente, o eterno dilema entre ambiente e desenvolvimento. As principais críticas vindas do movimento ambiental mundial referem-se à mercantilização dos recursos naturais, ao caráter especulativo dessas ferramentas e às dificuldades de verificação.

Do ponto de vista geopolítico, observamos que são os países que mais emitem gases de efeito estufa que têm desenhado e implementado um quadro regulamentar destinado a reduzir o problema. Longe de avançar nesse caminho, eles aproveitam para continuar utilizando a exploração de recursos naturais, como é o caso da grande mineração (mercantilização em seu favor) e subordinando as agendas dos países mais vulneráveis, incluindo países costeiros, pequenas ilhas e países amazônicos. Em nosso caso, temos as maiores possibilidades de nos dirigirmos para uma transição. Como diz Ian Gough [em "Calentamiento Global, Codicia y Necesidades Humanas”, 2023, CIEPP], deveríamos tender não para um crescimento econômico contínuo, mas para satisfazer as necessidades humanas, autossuficiência e redistribuição.

*Ricardo Soberón é advogado e especialista em Políticas de Segurança e Amazônia.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.