Os 60 anos do golpe militar que inaugurou uma ditadura de 21 anos nos exigem uma reflexão profunda sobre os seus significados para a sociedade brasileira. É imperioso recordar e repudiar o que ocorreu ao longo de duas décadas, período marcado por censura, violência, perseguições, sequestros e execuções cometidas por agentes públicos do Estado brasileiro. A derrubada do presidente legítimo João Goulart, em 1º de abril de 64, inaugurou um triste capítulo de nossa história, com a supressão de direitos e das liberdades democráticas.
A ditadura militar no Brasil se estendeu até 1985, mas suas marcas permanecem, expressas pela cultura autoritária ainda presente em setores da sociedade e do Estado brasileiro.
Como parlamentar, eleito pelo voto popular, o primeiro ponto que destaco é o ataque que o regime promoveu contra o povo, ao suprimir ou manipular as eleições, inclusive com a criação dos agentes políticos biônicos como prefeitos e senadores, indicados pelos ditadores de plantão para exercer mandatos sem o voto do povo. Uma aberração.
O Congresso Nacional foi fechado quatro vezes, em 1965, 1966, 1968 e 1977, com a cassação de mandatos e perseguição a parlamentares, numa onda de violência que varreu o país sob a égide de atos institucionais. O caso mais emblemático é o do assassinato do deputado federal Rubens Paiva, após ser submetido a prisão ilegal e sessões de tortura.
A população brasileira, que hoje exerce regularmente o direito de escolher os membros de Executivos e Legislativos, foi tolhida, e, em duas décadas, não pôde expressar plenamente a prerrogativa democrática de exercer o voto. E isso se refletiu diretamente no dia a dia da população.
Com o centralismo do poder nas mãos de militares, oligarquias e donos do grande capital aliados à casta militar, o resultado não podia ser pior. Dados da inflação foram mascarados, para iludir a população sobre o chamado “milagre econômico”. O arrocho salarial, a carestia e a fome marcaram o período. A censura impediu até a divulgação de epidemia de meningite. Povos indígenas foram massacrados. Quem lutava por educação, democracia, melhores salários, ia preso, podia ser torturado e até morto. Milhares de brasileiros foram levados ao exílio.
A máxima de “fazer crescer o bolo para depois dividir” nunca aconteceu. O crescimento econômico ocorrido entre o final dos anos 60 e começo dos 70 foi alicerçado em uma gigante dívida externa por meio de empréstimos com o FMI, comprometendo a economia nas décadas seguintes. E a riqueza gerada não foi distribuída igualmente entre os setores da sociedade, aprofundando a desigualdade social no país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960, 20% dos brasileiros mais pobres detinham 3,9% do total da renda nacional. Vinte anos depois, em 1980, 20% da população mais pobre concentravam apenas 2,8% da renda produzida no país. Em outras palavras, a ditadura militar foi danosa ao povo também do ponto de vista econômico.
Deploravelmente, há ainda segmentos da sociedade brasileira presentes no Estado brasileiro que sustentam uma cultura de violência, truculência e autoritarismo e seguem defendendo e conspirando para rupturas democráticas. A tentativa de golpe ocorrida no dia 8 de janeiro de 2023 enquadra-se nesse contexto. Felizmente, as instituições reagiram rapidamente e, unificadas, protagonizaram um processo significativo para a nossa sociedade, prendendo, indiciando e punindo diferentes atores responsáveis pela cena golpista.
Do mesmo modo, é fundamental a recriação imediata da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que funcionou plenamente nos primeiros governos Lula e no governo Dilma, tendo sido extinta pelo governo passado. Trata-se de instrumento essencial para investigar, esclarecer e reconhecer os casos de mortos e desaparecidos políticos em nosso país. Uma ação de reparação e justiça, reconhecimento da participação histórica de lutadores e lutadoras em defesa da democracia.
A história dos regimes democráticos no mundo é indissociável dos avanços nos campos dos direitos e da justiça social. É por meio da democracia que se desenvolve a cidadania, com liberdade para expressar posicionamentos e pontos de vista, bem como exercitar o protagonismo de cada sujeito de direito, com participação ativa nas definições dos rumos da sociedade, na elaboração de projetos, programas, ações, bem como no desenvolvimento e na criação de leis, seja diretamente ou através do voto, com a eleição de representantes.
A lição histórica sobre o capítulo inaugurado por 1964 é de que a democracia é um valor a ser preservado que nos exige posicionamento firme e nítido em sua defesa.
Aprofundar e qualificar a democracia brasileira: ditadura nunca mais!
*Odair Cunha é deputado federal por Minas Gerais e líder do PT na Câmara dos Deputados.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.