DIREITO DO CONSUMIDOR

Pelo direito do consumidor, Idec luta contra captura corporativa da Anvisa

A captura corporativa deve ser devidamente depurada pelo sistema jurídico-institucional ante o déficit democrático fruto dessas atividades.

Idec luta contra captura corporativa da Anvisa.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por
Escrito en DEBATES el

A recente decisão judicial que suspendeu a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 819/2023, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), representa uma vitória significativa para proteger o interesse público nas decisões regulatórias, a autonomia técnica da agência sobre a interferência da indústria e, acima de tudo, a saúde alimentar das pessoas consumidoras. 

É assim que o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) avalia a medida liminar na ação civil pública sobre a prorrogação de prazos para a atualização dos rótulos de produtos processados e ultraprocessados com o selo da lupa indicando altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada. 

A discussão sobre a rotulagem nutricional frontal iniciou-se em 2014 - com participação da sociedade civil, da academia e muitos especialistas -, sendo concluída em 2020, após uma ampla consulta pública com mais de 23 mil contribuições. Em contrapartida, a alteração dos prazos, que permitiria o esgotamento de rótulos desatualizados até outubro de 2024, ocorreu sem consulta pública, baseando-se na análise de 57 pedidos de empresas, com tramitação em apenas dois dias úteis e contrariando a posição da área técnica da própria Anvisa.

Com a decisão provisória do juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, a indústria alimentícia tem 60 dias para atualizar os rótulos com o selo da lupa ou utilizar adesivos para adequar as embalagens já compradas sem ter de descartá-las. 

A forma de reparar o dano à credibilidade interna da área técnica da Anvisa não poderia ser mais simbólica: uma liminar convergente com o posicionamento técnico, desprezado pela Diretoria Colegiada, contrário às alterações em favorecimento de determinadas empresas que se opunham à implementação das novas informações nutricionais.

Um dos aspectos cruciais da decisão é a garantia da autonomia da Anvisa frente à captura corporativa. A medida, ao obrigar a agência a não autorizar descumprimentos dos prazos de implementação da nova rotulagem de alimentos, impede também que futuras decisões da Anvisa sejam controladas por interesses comerciais específicos da indústria regulada. 

Em verdadeira lição de Direito Econômico e Regulatório, o juiz pontua que alterações regulatórias repentinas sempre são nocivas para o conjunto da economia e coletivamente prejudiciais no longo prazo por desprestigiar os agentes econômicos que se prepararam para a nova sistemática. Nos fundamentos da liminar, também fica destacada a necessidade de resistir ao lobby de agentes econômicos que visam prejudicar a coletividade, seja em relação aos consumidores, seja em termos de retardar a prevalência das empresas dotadas de maior eficiência e capacidade de adaptação no mercado. 

A rotulagem nutricional frontal é uma ferramenta fundamental para empoderar as pessoas consumidoras sobre sua própria alimentação. Garante a todas as pessoas a possibilidade de fazer escolhas informadas sobre os malefícios do consumo de ultraprocessados, alinhando-se às orientações do Guia Alimentar Brasileiro. Proteger a saúde pública deve ser a prioridade máxima e a transparência nas informações nutricionais é uma peça-chave nesse quebra-cabeça.

Defendemos processos regulatórios robustos, baseados em evidências científicas e a necessidade de proteger as decisões de reguladores contra influências indevidas que possam comprometer a qualidade técnica desses processos.

A captura corporativa deve ser devidamente depurada pelo sistema jurídico-institucional ante o déficit democrático fruto dessas atividades.

Em outubro de 2023, lamentamos o dano à reputação e credibilidade de uma agência conhecida por ser técnica e independente. Hoje, além de comemorarmos essa vitória, continuaremos na nossa missão institucional de defender os direitos de todas as pessoas consumidoras e trabalharemos para que essa decisão provisória em um futuro próximo seja definitiva.

Leonardo Pillon e Christian Printes são advogados do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec