A combinação entre a possibilidade de livre expressão via internet, a radicalização ideológica e o fortalecimento da extrema direita fizeram com que surgisse um novo tipo social, encarnado em sujeitos destemidos, desavergonhados de suas ideias abiloladas e apoiados por hordas de imbecis: esse tipo é o “comentarista patriota”.
Antigamente, por receio de repúdio de outras pessoas ou autocensura, um sujeito qualquer não vinha a expor certas ideias preconceituosas em praça pública, guardando-as para si. Já a partir do momento em que esse sujeito passa a acessar a internet, ele entra em contato com outros indivíduos que assumem posições preconceituosas tais como as suas, se fortalece e não teme a possibilidade de revelar os aspectos mais obscuros de sua personalidade, afinal, tem muita gente para o aplaudir e endossar do lado negro da força. E assim nasce o comentarista patriota.
O comentarista patriota acha que deve opinar sobre tudo, e considera desnecessário consultar especialistas para balizar sua posição, já que cientistas, jornalistas, pesquisadores em geral são todos esquerdistas e manipuladores, e ele “pensa” com a própria minúscula cabeça de alfinete (aliás, fincada na massa amorfa e fedorenta do discurso fascista). Quando, por curiosidade, desejar ver um comentarista patriota explodir, use a seguinte senha, assim que ele vomitar asneiras: “Qual é a fonte”?
O comentarista patriota tem a “própria” opinião, a ele transmitida por vídeos de youtubers conspiracionistas, e fala de epidemiologia à geopolítica. Agarra com unhas e dentes ao seu direito de ser ignorante e, ao mesmo tempo, opinar. É ele próprio especialista em “Tudologia”, graduado pelos grupos de Whatsapp . Basta a postagem em uma rede social de qualquer link de um texto político e crítico para ele entrar em ação. E somente o título já é suficiente para que forme um posicionamento, já que uma linha de texto é tudo o que ele consegue ler.
Todo “comentarista patriota” que se preze deve utilizar um repertório linguístico composto por palavras, expressões e chavões como “racismo reverso”, “misandria”, “mi-mi-mi”, “feminazi”, “ditadura gayzista”, “vitimismo”, “bandido bom é bandido morto” e “não tenho bandido de estimação” (apesar de ter!).
Os “comentaristas patriotas” também têm seus “formadores de opinião”, a quem recorrem fielmente. Qualquer político fascista, pastor de araque, humorista burro, youtuber ou articulista astrólogo ou pseudo filósofo que tenha um discurso meritocrático, violento e que ataque uma minoria é idolatrado.
Para o “comentarista patriota”, o mundo atual é muito chato, o humor está corrompido pelo viés esquerdista e é lamentável que não se possa mais fazer boas piadas racistas, classicistas, homofóbicas e machistas como em outras épocas. Bom mesmo era o tempo em que a gente podia bater na mulher e nos filhos sem ser julgados, humilhar negros sem que ninguém se espantasse com isso, ou expressar etarismo e gordofobia livremente. Ser politicamente incorreto, isso sim é muito divertido para esse tipo. O comentarista patriota não pode mais rir em paz.
Ele sente saudade da mulher refinada ao âmbito doméstico, do livre bullying nas escolas, do negro fora da universidade, do gay massacrado ou restrito a guetos e de quando o pobre não frequentava lugares destinados às classes médias e altas. “Esta é a geração mais fresca que existe”, esbraveja o comentarista patriota quando percebe alguém se manifestar contra um preconceito e exigir direitos e cidadania a todos.
Os entregadores e motoristas de aplicativo vão fazer uma paralisação para exigir direitos trabalhistas? “Mas aí não dá né, todo mundo quer ter direito agora!”, diz o comentarista patriota. A lógica da escassez está introjetada na sua mente… Ele vê a riqueza como uma pizza: se aumentarem a fatia de alguém a dele vai ser diminuída. É preciso defender a própria pizza. Com armas e tanques do exército nas ruas se for necessário. E isso é tudo o que o comentarista patriota entende de economia.
Como outrora afirmou italiano Umberto Eco, a internet concedeu o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Normalmente, os imbecis eram imediatamente calados, ou eram ignorados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel, ou Camões. Desse modo, conclui o pensador italiano, o grande drama da rede mundial de computadores é ter promovido o “idiota da aldeia” (ou, em nosso caso, o “comentarista patriota”) a portador da verdade.
O tiozão da Fanta ganhou palco, e rebola sua grosseria sob o aplauso de milhares de ressentidos. Infelizmente, a livre circulação de “ideias” também traz seus efeitos colaterais.
*Aurélia Hubner Peixouto é doutoranda em design na Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação na Universidade Europeia.
*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp