POLÍTICA FISCAL

Arrocho fiscal em 2024? - Por Paulo Kliass

Artigo do economista e especialista em políticas públicas e gestão governamental do governo federal aborda reação da imprensa comercial e do mercado aos resultados da política fiscal de 2023

Créditos: Fotomontagem: Fernando Haddad (Wilson Dias/Agência Brasil) e notas de reais (Shutterstock)
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As manchetes e os termos utilizados pelos jornalões e pelos grandes meios de comunicação não fugiram ao figurino aplicado pelo povo do financismo a esse tipo de situação. “Rombo!”, “Irresponsável!”, “Gastança!”, “Insustentável!” “Populista!”.  Estes foram os termos mais difundidos em suas páginas e telas a partir da divulgação oficial das informações a respeito da política fiscal de 2023.

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) publicou as estatísticas relativas a dezembro do ano passado. Os números vieram com valores mais negativos do que o esperado e do que vinha sendo anunciado informalmente pela equipe de Fernando Haddad. Afinal, o ministro havia se convertido no grande defensor da austeridade fiscal desde antes do início do governo e esse resultado poderia ser interpretado como um sinal de sua fraqueza política junto ao núcleo duro do Palácio do Planalto.

Ao longo do ano passado, as contas do governo federal apresentaram um déficit primário de R$ 230 bilhões. Esse valor equivale a 2,1% do PIB. O primeiro argumento utilizado pelos dirigentes do Ministério da Fazenda faz referência à inclusão de um estoque de R$ 90 bi relativos ao pagamento de precatórios e que haviam sido empurrados com a barriga pelo governo passado. Mas mesmo assim, retirando-se essa rubrica do cálculo, o déficit ficaria no patamar de 1,3% do Produto.

O problema é que o raciocínio da equipe de Haddad se aproxima às falácias apresentadas pelos representantes do sistema financeiro. Tudo se passa como se o “vilão” do resultado fiscal de 2023 fosse Bolsonaro.

Na verdade, se esquecem de mencionar que o resultado das atividades econômicas, que será oficialmente divulgado pelo IBGE mais à frente, encontra na expansão das despesas orçamentárias do ano passado uma de suas principais causas. Caso não houvesse esse “rombo” nas contas primárias, muito provavelmente o PIB teria crescido muito menos do que os prováveis 3% a serem apurados.

E segue o austericídio.

Essa forma envergonhada de apresentar os resultados fiscais relativos ao primeiro ano do terceiro mandato de Lula se explica pelo compromisso que Haddad mantém com as regras da austeridade. Foi assim com o desenho elaborado por ele para o Novo Arcabouço Fiscal, que se converteu na Lei Complementar n° 200/23 e hoje, infelizmente, integra a institucionalidade jurídica de nosso país.

Essa mesma abordagem austericida foi recuperada para justificar a absurda e irracional proposta de buscar um resultado fiscal primário equilibrado para o presente ano. Na verdade, essa tal ideia de “zerar o déficit” corre o risco de provocar uma forte desaceleração no ritmo das atividades econômicas de forma ampla.

Não faz nenhum sentido encaixar o sentimento e culpa pelo fato de as contas primárias de 2023 terem sido deficitárias. Ao contrário de ser um “problema”, como insiste em alardear de forma catastrófica o povo da banca privada, o resultado em que as despesas superaram as receitas apresenta-se como uma “solução”.

A cada vez que o governo realiza gastos de natureza primária, ele injeta recursos na sociedade que estimulam a atividade econômica. Quer seja pela ótica da despesa corrente, quer seja  pela lógica dos investimentos, a transformação das rubricas orçamentárias em recursos em mãos de cidadãos e de empresas multiplica o Produto Interno.

Além disso, o resultado de 2023 não foge às características do período que atravessamos, tanto no Brasil, quanto no resto do mundo. Ao longo da última década, apenas em um exercício as contas primárias foram superavitárias. Em todos os demais o resultado foi deficitário. E nem por isso o Brasil quebrou ou a situação ficou economicamente insustentável.

No entanto, muito pouco se ouve da boca desse pessoal a respeito da “farra” ou da “gastança” ou da “irresponsabilidade” quando se trata das despesas não-primárias. A conta de pagamento de juros da dívida pública, por exemplo, é o exemplo mais cristalino da berraria seletiva que acomete o povo do financismo.

Eles clamam contra as somas que o Estado aloca para saúde, previdência social, educação, segurança pública, saneamento, assistência social, investimento e salários de servidores, mas não se conhece nenhum traço de indignação contra a despesa mais parasita de nosso Orçamento.

Trata-se da segunda maior rubrica dos dispêndios do governo federal, ficando apenas atrás da previdência social. Além disso, é o gasto público de menos impacto em termos de efeito multiplicador. Os beneficiados por tal despesa tem elevada propensão a poupar e não retornam os recursos na forma de elevação do consumo, tal como acontece com o pagamento dos benefícios do INSS.

Tudo indica que o governo será mesmo obrigado a reconhecer o equívoco que foi a manutenção da proposta de déficit zero na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A teimosia de Fernando Haddad em manter uma postura de austeridade fiscal está esbarrando nas dificuldades em cumprir a meta ao longo do ano. Nesse caso, quanto mais cedo for encaminhada a mudança, menores tenderão a ser os obstáculos para sua aprovação pelo Congresso Nacional.

Caso o governo tenha efetivamente interesse em encaminhar programas de desenvolvimento social, econômico e ambiental, o caminho passa pela recuperação do protagonismo do Estado. E esse processo envolve um aumento significativo nos patamares de despesas públicas e de investimento governamental. Assim, este é o momento adequado para manifestar uma mudança de postura em face da austeridade fiscal. Isso significa sugerir uma meta de resultado primário para 2024 equivalente ao verificado no ano passado: um déficit de 2% do PIB mais uma vez.

* Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

* Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum