A prisão temporária do secretário de Saúde de Goiânia, Wilson Pollara, dia 27 de novembro de 2024, e do secretário-executivo da pasta, Quesede Ayres Henrique, e o diretor financeiro, Bruno Vianna Primo, acusados de envolvimento em esquemas de pagamentos irregulares em contratos administrativos, ligou o alerta vermelho para a situação da saúde na capital e no Estado de Goiás, comandadas, respectivamente, pelo pastor Cruz e o Dr. Caiado. Os dois entes federados já vinham sofrendo com ingerências no atendimento básico e nos seus respectivos institutos de saúde (IMAS e IPASGO), e com possíveis corrupções por parte de contratações de Organizações Sociais de saúde sem licitação. Essas lideranças do executivo estadual e municipal têm demonstrado uma inaptidão monstruosa para cuidar das pessoas, apesar da natureza compassiva de suas profissões pregressas.
Segundo o MP-GO, a prisão dos investigados em Goiânia deve-se ao fato de eles terem, supostamente, concedido vantagens indevidas em contratos, ignorando a ordem cronológica de pagamentos. Os atrasos de muitos parceiros e fornecedores contratados contribuíram para incrementar a crise na saúde pública da capital, pois comprometeram repasses financeiros para organizações de saúde, como a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), a quem o município já deve cerca de R$ 121,8 milhões. Tal vultosa quantia de dívida acarretou a suspensão de atendimentos em maternidades municipais como Dona Íris, Nascer Cidadão e Célia Câmara em agosto deste ano. Além disso, em função do colapso generalizado, a rede pública da prefeitura tem sofrido com a falta de insumos básicos, com a interrupção de serviços de entidades conveniadas e diminuição do número de leitos de UTI 2024, tendo ocasionado a terrível morte de dezenas de cidadãos-contribuintes.
Essa situação de completa apatia e letargia por parte da prefeitura de Goiânia é reflexo também do fato do governador Caiado ter retirado, em 2023, do âmbito municipal o controle da regulação dos hospitais estaduais instalados em Goiânia voltará à Secretaria Estadual de Saúde (SES), mediante decisão do presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), desembargador Carlos França, que suspendeu a liminar que mantinha esse controle pelo município. Mesmo que a decisão de transferir a regulação ao Estado tenha sido pactuada na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), cujo colegiado reúne tanto membros da Secretária Estadual de Saúde quanto os secretários municipais de Saúde, os pacientes de Goiânia, que respondem pela maioria da demanda dos hospitais estaduais, podem estar enfrentando maior dificuldade de acessar a rede, o que tem resultado em fatalidades. Em função da falta de vagas nos Hospitais Estaduais para transferências de pacientes de Centros de Atenção Integral à Saúde (Cais), há um reflexo negativo no atendimento da Atenção Primária nas unidades básicas de saúde, que tem funcionado com móveis danificados, falta de higiene e estruturas mal-conservadas.
No âmbito estadual, hospitais de urgências como HUGO E HUGOL têm enfrentado em 2024 uma crise administrativa entre o Governo e as entidades responsáveis pela gestão. No caso do Hugo, a organização Instituto CEM alega que o Poder Executivo, na pessoa da Secretaria do Estado, deixou de repassar mais de R$ 30 milhões para a unidade, o que tem prejudicado a agenda de cirurgias, também por falta de insumos, atrasos de salário e o não pagamento de alimentação. Em função disso, mesmos pacientes regulados do HUGO estariam sendo direcionados para o Hugol, tendo Caiado insurgido, com solução miraculosa e sem transparência, a possibilidade da contratação da OS Hospital Albert Einstein para assumir a vaga do Instituto CEM. A deficiência no atendimento do Hugo tem levado à superlotação também do Hugol, ambos não conseguindo dar vazão à demanda por cirurgias eletivas e atendimentos de média e alta complexidade, o que tem gerado falhas estruturais graves. A Secretaria Estadual de Saúde também tem sido responsável pelo mal funcionamento da Santa Casa, Hospital Araújo Jorge e o Dr. Henrique Santillo (Heana), em especial para as áreas de tratamento intensivo. Esses hospitais têm atuado também em situação de precariedade, em função da falta de pactuações, convênios e recursos para a aquisição de suprimentos hospitalares, o que tem resultado na demora no acolhimento, queda no número de leitos e falta de uma ação integrada entre a Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) e as secretarias municipais da área.
Em novembro de 2024, visando esclarecer dúvidas e suspeitas de irregularidades, foi a vez dos deputados Mauro Rubem (PT) e Gustavo Sebba (PSDB) demonstrarem insatisfação com a falta de diálogo com o atual governo e a equipe da pasta da Saúde. A exigência de eficiência e accountability, no monitoramento e controle dos contratos de gestão do Estado com as OS na área de Saúde deveria ser vista com naturalidade, haja vista que essa é uma das competências do legislativo. Porém, não foi isso que se viu após Sebba, também presidente da Comissão de Saúde da ALEGO, solicitar uma auditoria ao TCE-GO, com base em prerrogativa legal prevista na Lei Orgânica desse órgão (Lei Estadual nº 16.168/2007 artigo 108, parágrafo IV, do Capítulo V), que assegura a presidentes de comissões da Alego a competência para apresentar consultas e pedidos ao Tribunal. Isso porque, houve um requerimento apresentado por membros da base aliada do governador que compõe a Comissão de Saúde (deputados Calife, Zeli, Premium, Rezende e Vale), questionando a iniciativa do deputado presidente, pois parece haver melindre em expor as vísceras da administração da secretaria de Saúde em público.
Escândalos como a consumada prisão temporária do secretário municipal e o receio de ser preso do secretário estadual, a saúde em Goiás parece estar ao Deus-dará, em um Deus nos acuda. Acometida de doenças por falta de gestão, fiscalização e transparência, a saúde em Goiânia e Goiás parece não estar na UTI, somente porque não há vagas. Resta saber se, no caso da capital, pelo menos, o futuro prefeito-gestor, eleito com o apoio de Caiado, Sandro Mabel (UB), que já está colaborando com as negociações para aberturas de vagas, vai conseguir colocar a saúde em primeiro lugar. Mas antes disso, terá que vencer o pedido de cassação de sua chapa pelo MPE-GO, por suspeita de abuso de poder político durante o segundo turno das eleições municipais em Goiânia, em função de jantares realizados no Palácio das Esmeraldas, residência oficial do governador, com vereadores eleitos e seus suplentes, com caráter, supostamente, eleitoral. Os eventos divulgados na mídia, que teriam, supostamente, beneficiado a candidatura da chapa de Sandro Mabel (União), parecem contrariar a legislação proibitiva, no tocante a esse tipo de uso da máquina pública em favor de candidato. Já em relação a Caiado, a situação é parecida, pois contra ele foi pedido a inelegibilidade pelo mesmo evento que gerou o procedimento investigatório citado. Resta saber se, caso venha a perder o mandato, algum paciente, após o descaso com a saúde pública, algum goiano irá confiar no governador ortopedista o seu tratamento médico, pois que esse médico tem mostrado ser um monstro.
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.