O cenário eleitoral em Natal (RN) nas eleições municipais de 2024 trouxe uma novidade histórica: a volta da esquerda ao segundo turno, após 28 anos. Com a candidatura de Natália Bonavides (PT), que obteve 110.483 votos, representando 28,45% dos votos válidos, a esquerda quebrou um jejum e se colocou em posição de destaque na disputa. Esse resultado subverteu as expectativas de diversas pesquisas eleitorais publicadas nos últimos meses.
A candidatura de Natália, com os motes “A Alegria vem aí” e “Sim, vamos fazer diferente!”, apostou fortemente no simbolismo e no resgate da memória. Sua campanha evocou a figura histórica do ex-prefeito natalense Djalma Maranhão, referência de resistência e compromisso popular, cassado durante a ditadura militar. Além disso, homenagens à luta contra a ditadura chilena, inspiradas em canções como La alegría ya viene, e a lembrança da campanha de virada.
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da governadora Fátima Bezerra ao Senado, em 2014, marcaram a narrativa de esperança e resistência que Natália busca representar.
Diferente de Paulinho Freire (União), que liderou o primeiro turno com 171.146 votos (44,08%) e articulou sua base com um grande arco de partidos, muitas vezes terceirizando sua presença nos bairros aos vereadores de sua coligação, Natália optou por um contato direto com a população. Ao visitar pessoalmente as comunidades e dialogar com diferentes grupos sociais, a candidata conseguiu romper bolhas tradicionais da esquerda e ampliar seu alcance. Essa diferença de estratégia, com uma campanha mais próxima das demandas populares, criou um forte contraste com o estilo de Freire, mais associado aos bairros nobres de Natal, como Tirol e Petrópolis.
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Outro fator que contribuiu para a força do PT no primeiro turno foi a expressiva votação nas eleições para a Câmara Municipal. Com uma bancada composta por um vereador (Daniel Valença, 8.249 votos) e duas vereadoras (Brisa Bracchi, 6.877 votos, e Samanda Alves, 5.189 votos), todos eleitos com mais de 5 mil votos - votação superior ao padrão histórico da legenda na cidade.
Além da vitória de Thabatta Pimenta (PSOL), primeira vereadora travesti da capital potiguar, o campo progressista demonstrou força e capacidade de renovação. Esse vigor no legislativo é reflexo de uma nova configuração política que, embora minoritária, tem potencial para influenciar a próxima gestão, caso Natália seja eleita.
Essa eleição também trouxe um revés significativo para o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PSD), que já governou a cidade por quatro vezes, considerado por muitos analistas como o favorito ao longo do período pré-eleitoral. Com 93.013 votos, ou 23,95% dos votos válidos, Carlos Eduardo foi derrotado e ficou em terceiro lugar, contrariando as previsões de institutos de pesquisa que o colocavam em uma posição consolidada.
Ainda que a esquerda tenha voltado ao segundo turno, os desafios para Natália Bonavides são imensos. A nova composição da Câmara Municipal, majoritariamente conservadora e alinhada aos interesses de Paulinho Freire, sugere que, caso ela seja eleita, sua gestão será marcada por tensão e desafios de governabilidade. Além disso, as alianças amplas de Freire, somadas à sua vantagem no primeiro turno, indicam uma disputa acirrada e com prognóstico incerto.
Contudo, o fato de a esquerda ter conseguido retornar ao segundo turno após quase três décadas já transcende a mera disputa eleitoral. Essa campanha não apenas marca a possibilidade de renovação, mas também reabre a porta para uma política mais humana, solidária e conectada às demandas do povo trabalhador da cidade. A luta agora é para que esse momento se concretize em uma nova fase no cenário político de Natal.
*Germano Neto é cientista social e professor da UFRN.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.