REFLEXÃO

Elitismo intelectual precisa parar de “matar a esquerda” – Por Mateus Muradas

Agora, temos que ir para cima de Ricardo Nunes, ir para as ruas e disputar uma eleição dificílima, em que a esquerda precisa de apoio

Campanha de Boulos nas ruas de São Paulo.Créditos: Ricardo Stuckert/PR
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O filósofo da USP, Vladimir Safatle, em entrevista ao UOL, afirmou novamente que a “esquerda morreu”. De maneira reiterada, Safatle tem feito esta afirmação, pautado por preocupações legítimas quanto ao posicionamento ideológico recuado dos partidos de esquerda, seja no processo eleitoral, seja na atuação do governo Lula.

Há de se concordar que sim, o recuo tático dos partidos de esquerda e sua postura reativa frente ao avanço da extrema direita é uma preocupação. Contudo, algumas afirmações de Safatle são bastante preocupantes, tanto por seu conteúdo, quanto pelo momento em que estão sendo feitas.

O resultado do 1º turno das eleições de 2024 mostrou que a centro direita e a extrema direita tiveram avanços significativos, seja na quantidade de prefeitos e vereadores eleitos, seja nas vitórias ocorridas nas grandes cidades (acima de 200 mil habitantes). Isso reflete que a tática dos partidos de esquerda, em adotar discursos ideologicamente recuados, foi fracassada.

Essa ideia apregoada pelas grandes empresas de marketing eleitoral, de que a esquerda precisaria moderar o seu discurso para não ser vista como “radical” para, supostamente, conquistar o eleitor médio, foi a grande derrotada nessas eleições.

Os partidos de esquerda escutaram o conto da carochinha de marketeiros ultrapassados, que tiveram a única intenção de abocanhar o fundo eleitoral e não fazer enfretamento político.  Esta tática acéfala e cunhada em dados estatísticos vazios, e sem análise crítica da realidade, custou caríssimo aos partidos de esquerda, seja pelos volumes vultuosos de recursos do fundo eleitoral despejados em marketing eleitoral, seja pelas derrotas colhidas na eleição.

Entretanto, insistir na afirmação que isso representa a morte da esquerda é um erro crasso! Este derrotismo de Safatle nos leva ao mais puro imobilismo, nos leva a assistir às dificuldades do campo da esquerda de braços cruzados, como se fôssemos espectadores da desgraça ou profetas do fim do mundo.

É necessário sair dos bancos mofados da FFLCH-USP, sair desta postura derrotista e elitista e reconhecer que, sim, há dificuldades, mas nunca, jamais, haverá vitória, sem luta! É necessário apoiar os “renascimentos” dos ideais de esquerda e não apontar insistentemente sua morte, e muito menos “chutar cachorro morto”.

“Ah, mas naquele tempo de fundação do PT, a esquerda funcionava com uma tríade juntando a academia, os sindicatos e igrejas progressistas e isso precisa ser renovado”.

Estamos em 2024, com outros fatores conjunturais e estruturais, em meio de uma eleição municipal disputadíssima, e este “Sebastianismo de Esquerda” definitivamente não contribui em nada.

Safatle afirma que a esquerda está envelhecida... Em São Paulo, Boulos é candidato do PSOL, apoiado pelo PT, e tem 42 anos. A vereadora mais votada do PT, Luna Zarattini, tem 30 anos, outro novo vereador do partido, Dheison Silva, tem 36 anos, um jovem de periferia. No PSOL, Luana Alves, da luta da educação popular, Amanda Paschoal, da pauta LGBTQIAPN+, Keit Lima, da pauta das periferias e da participação popular, todas, abaixo de 35 anos.

Ao menos na cidade de Vladimir, São Paulo, esta afirmação de que a esquerda estaria envelhecida, é absolutamente falsa! Objetivamente, citamos jovens vereadores eleitos, e com discurso atuais e avançados, ligados a pauta das mulheres, das periferias, da participação popular na política. Por que Vladimir Safatle “assassina” a esquerda, mesmo enxergando estas novidades em São Paulo?

Além disso, Vladimir afirma que a esquerda não tem proposta para as periferias, e ignora o fato de que movimentos populares, fóruns e redes dos cinco cantos da capital paulista se reuniram para realizarem o “Encontro das Periferias”, no dia 25 de agosto de 2024, movimento autônomo, que reivindica voz política e direitos. Lutar por voz política não é lutar por soberania popular? Reconhecer as feridas da escravidão, o efeito nefasto do capitalismo na formação proposital das periferias urbana e lutar por mobilidade urbana e empregabilidade nas periferias, não representam uma luta pela igualdade?

O movimento entregou em suas mãos, em Itaquera, o Manifesto das Periferias. Por que este documento foi ignorado em sua análise? Dia, inclusive, que membros do movimento o interpelaram sobre sua ideia de “morte das esquerdas”. O documento sintetizou 98 propostas para as periferias, assinado por diversas candidaturas a vereador e pelo próprio candidato a prefeito, Guilherme Boulos. Por que, novamente, Safatle insiste em “assassinar” a esquerda, mesmo com este evidente surgimento de um movimento popular autônomo?

Afirmar que a esquerda não tem proposta para periferia e que está envelhecida é absolutamente falso. É possível afirmar, sim, que os movimentos populares poderiam ter sido mais ouvidos pelas campanhas eleitorais, que mais candidaturas avançadas poderiam ter tido mais espaço.

É possível afirmar que membros da elite intelectual, como ele próprio, ignoram a existência de novos movimentos populares nas periferias. Mas dizer que a esquerda está morta, sinceramente, é um equívoco!

Parece-me que há uma esquerda morrendo, a esquerda burocrata, a esquerda dos gabinetes, a esquerda dos simpósios e congressos mofados da USP, a esquerda que ainda cai em contos da carochinha de marketeiros.

A elite intelectual deste país, especialmente de esquerda, precisa perceber o nascimento de novos movimentos populares, novas ideias em disputa, novas propostas de organização partidária. É possível sair do banco confortável do niilismo, mas, definitivamente, não será fazendo ilações no meio de uma disputa eleitoral acirrada.

Não há projeto legitimamente de esquerda que não seja construído com o povo e com as periferias. Cadê os intelectuais, membros das direções partidárias construindo novos projetos nacionais junto com as periferias? É necessário descer do salto e vir aqui para a base e construir junto. Há momentos adequados para autocrítica, hoje, dia 15 de outubro, não é o momento.

Agora, temos que ir para cima de Ricardo Nunes, ir para as ruas e disputar uma eleição dificílima, em que a esquerda precisa de apoio e não de gente do nosso campo atirando pedras.

*Mateus Muradas é poeta, integrante do Fórum Social da Zona Leste e conselheiro municipal de políticas urbanas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.