Transcorrida a mais recente onda de violência fanática nas escolas, União, estados e municípios apresentaram programas de ações relacionados ao problema. Desse esforço estatal foi possível entender alguns diagnósticos dos quais falaremos, além de adentramos em alguns possíveis resultados, tanto quanto aos seus bônus, quanto aos ônus.
Escolhemos como casos para analisarmos os programas apresentados pelo governo federal, estados de São Paulo, Santa Catarina e o município de Taubaté/SP. Naturalmente, a União estaria incluída, mas quanto aos outros, foram escolhidos por agregarem pontos interessantes a nossa análise.
Começando pelo governo Lula, que capitaneado pelo Ministério da Educação (escolha acertada – afastando qualquer perigo de uma centralidade policial) anunciou um robusto investimento de R$ 3 bilhões a partir de 15 medidas. Não só pelos valores, mas se trata de um programa que pode ser considerado robusto, principalmente a partir dos múltiplos pontos focais – privilegiando a prevenção, além de ações de incidência direta. Como boa notícia, diria que a inserção de psicólogos e assistentes sociais através de núcleos psicopedagógicos nas escolas dá um tom bem interessante ao programa, apresentando uma similaridade a outras boas experiências, como os históricos CIEP’s, promovidos por Leonel Brizola, e as atuais Usinas da Paz, que estão sendo implementadas por Helder Barbalho, no Pará, idealizadas por Ricardo Ballestreri. O acréscimo de estruturas paralelas normalmente se adéqua muito bem à dinâmica escolar.
Como ponto negativo, entendo que o Programa de Segurança Nas Escolas se tornou mais policialesco do que deveria, pois esse problema se dá a partir de seu edital, que estipula que os projetos apresentados devam ter como origem apenas instituições de segurança pública. O cerceamento se torna ainda maior quando, também, se estipula que os gastos propostos só abrangem compra de material, não cobrindo despesas com pessoal, inviabilizado, por assim dizer, a participação da academia ou de organismos externos, como as polícias, que tenham capacidade de contribuir.
Na sequência, trago o caso paulista, que anunciou um pacote de medidas – que obviamente mais tímidas do que as da União – mas que detém pontos de elogio e cito, especialmente, a ampliação do número de professores com horas exclusivas para lidar com a convivência escolar, além da contratação de psicólogos para a rede estadual. Como ponto de certa controvérsia aparece a contratação de mais de mil seguranças privados a serem inseridos dentro do espaço escolar.
Já me posicionei, em meu primeiro artigo na Revista Fórum, quanto aos custos exorbitantes destas políticas de contenção ostensiva quando em comparação com ações de prevenção – que são na maioria dos casos muito mais efetivas. Entretanto, é inegável que a escolha guarda, sim, um quesito de utilidade e, principalmente, previne efeitos colaterais que poderiam ser bem piores.
A escolha por seguranças privados em detrimento a policiais ou bombeiros militares afasta – enquanto escolha – mais um impulso frente ao processo de militarização da sociedade e das escolas. A partir de uma escolha diferente teríamos esse processo reforçado através da extrapolação de afazeres e atribuições no espaço escolar, seja a partir da complacência/omissão/conivência de alguns gestores escolares, onde seriam chamados a tratar da disciplina interna ou até da parte pedagógica, ou a partir da própria comunidade escolar através do vício social que adquirimos de ocupar militarmente tudo. Decisão acertadíssima de não utilizar policiais ou bombeiros militares no interior das escolas.
Se temos premissas positivas advindas do governo federal e do governo de São Paulo, o mesmo não acontece no estado palco da pior atrocidade nesta onda de violência horrenda nas escolas. Não há uma negativa, que fique bem claro, quanto à necessidade dos atributos de segurança pública em lidar com a problemática, mas trazê-los como centrais é uma desonestidade política regada a muito populismo. Dentro do corpo de ações propostas pelo governo de SC há uma prevalência exorbitante quanto à participação das instituições policiais, principalmente as de caráter militar, seja em ações diretas, como a presença de um PM ou bombeiro militar obrigatoriamente em cada escola pública, bem como no processo formativo dos docentes em que está posicionado com franco protagonismo.
Sabemos bem a que isso serve. Há um projeto policialesco de sociedade em curso no Brasil, que a partir de ataques ideológicos, ou mesmo a partir de políticas de Estado, vai buscando galgar novos espaços e as escolas já foram assumidas por eles – acertadamente – como um “espaço vital”, seja a partir do malfadado projeto da “Escola sem Partido” – que embora não tenha resistido – deixou suas sementes espalhadas e ativadas, seja a partir das Escolas Cívico-Militares – propagandeadas até por governos ditos de esquerda. Há uma agenda por trás de tudo isso e que atropelará o bem-estar físico e psicológico de nossas crianças.
Por fim, o que nos traz a prefeitura de Taubaté/SP é uma daquelas situações em que a gente sabe que não chegou ao fundo do poço, mas sabe que está perto disso. A título de informação, o “fundo do poço” tem nome e se chama deputado “Surfista” Gonçalves, do PL/RN, que propôs uma PL que daria aos professores o direito de terem porte de armas de fogo. Voltando à prefeitura, esta promoveu capacitação, mais parecendo um workshop, para servidores da área da educação em defesa pessoal como resposta ao problema. Ainda não há um calendário publicitado, o que nos deixa nessa dúvida do que seja finalmente.
Também não está claro que incentivo esses servidores terão. É comum em algumas polícias de outros países que o material de treinamento seja ofertado pelo poder público, assim como treinamentos ocorram em horário de trabalho ou com incentivos pecuniários. Por certo que não pode ser apenas um curso, um workshop, qualquer treinamento dessa natureza envolve além de empenho, continuidade, tempo, preparo físico e mental. Mas o que indago ao fim é o que se pretende com propostas como esta? De ofertar uma falta de tranquilidade para os pais de alunos, de forma que teremos anúncios enaltecendo isso, como ficcionalmente “matricule seu filho aqui, temos professores versados em artes marciais em todas as salas”? Introjetar na cabeça da classe de professores que a sua atuação em situações como essas não é defensiva e restrita, mas, sim, algo, digamos, mais ofensivo, como desafiar os invasores, montar armadilhas, tocaias? Há uma frase atribuída a Einstein. “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”. Não creio que seja o caso. Há uma disputa por um projeto de nação em marcha, e professores e alunos são alvos, seja a partir de sua despersonalização, seja a partir do medo inserido nas escolas, ambientes de pensamento e convivência que cada vez mais são tidos como de disciplina e medo.
*Pedro Chê é historiador, policial civil e integrante do Movimento Policiais Antifascistas.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.