O Sul do Brasil convive novamente com o medo e a angústia da aproximação de mais um ciclone. Se anunciam grandes volumes de chuva e a possibilidade de mais enchentes e deslizamentos. Este medo não é despropositado. Enchentes e deslizamentos resultaram na morte de milhares de pessoas em nosso planeta e as catástrofes foram noticiadas com imagens assustadoras.
Nos últimos meses destacam-se tragédias vividas de norte a sul do Brasil, onde mais recentemente no Rio Grande do Sul a enchente no Vale do Taquari levou a vida de 51 Brasileiros. Esse cenário desolador atingiu dimensões bíblicas na Líbia, onde em 90 minutos, durante um evento extremo, o rompimento de uma barragem levou 20 mil vidas humanas... 20 mil seres humanos que morreram enquanto dormiam...
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Esse cenário catastrófico precisa ser mobilizador de profundas e urgentes transformações na forma como nos relacionamos com nossos territórios e com as instituições que devem promover espaços seguros e saudáveis hoje e no futuro. Precisamos entender que as mudanças climáticas elevaram a temperatura do planeta e do oceano, com anomalias de que ultrapassam os 4 graus. Com mais evaporação teremos mais eventos extremos com chuvas deslocando grandes volumes de água, como em São Paulo onde num curto intervalo de tempo, tivemos a precipitação de quase 700 mm em 24h.
Portanto, os alertas emitidos pela defesa civil e órgão municipais, estaduais e federais, precisam ser seguidos por ações institucionais e individuais de precaução e prevenção. As regiões que apresentam carências para esse sistema de monitoramento precisam ser identificadas e incluídas em programas de atenção meteorológica e oceanográfica.
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A promoção de abrigos emergenciais para a população que vive em áreas de risco precisa ser um programa nacionalizado. Assim como medidas que elevem a segurança da infraestrutura urbana. Pensar o transporte, a alimentação, a hidratação e o abrigo seguro e saudável, especialmente para as frações mais vulneráveis da nossa sociedade, deve ser uma prática constante do planejar nossos territórios. É fundamental que esse planejamento se dê forma dialética com a comunidade para que este processo seja pedagógico.
As extraordinárias quantidades de água que caem sobre nossos territórios elevam a erosão, destroem o solo, arrastam florestas e soterram vegetação, com assoreamento dos rios, lagos e região costeira. Os tsunamis de lama e detritos destroem infraestrutura, especialmente aquela relacionada ao saneamento básico, comprometendo a segurança sanitária da população e da natureza.
Os deslizamentos e enchentes causados por estes eventos extremos, além de provocarem prejuízos humanos e econômicos, resultam em comprometimento da capacidade que nosso território tem de armazenar e sequestrar carbono, elevando as emissões de gases estufa, alimentando um ciclo vicioso onde as mudanças climáticas alimentam as próprias mudanças climáticas.
Nos últimos 10 anos os desastres naturais contabilizaram cerca de R$400 bilhões em prejuízos. Entretanto, estes repasses focaram gastos em ações de socorro emergencial e reconstrução de áreas danificadas. Para exemplificar este cenário, em Florianópolis, conforme divulgado na mídia local, o governo municipal gastou cerca R$ 3 milhões para a construção de paliçadas para a contenção da erosão costeira, que em 1 ano já começa a ceder. Ações como esta, muitas vezes descoordenadas e isoladas, sem discussão ou embasamento técnico robusto, não representam respostas de adaptação e mitigação das causas destas catástrofes, que estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas. Ao contrário, muitas delas estão perpetuando a vulnerabilidade socioambiental, que se agrava no cenário de eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos.
Portanto, precisamos urgentemente de um Programa de Aceleração da Transição Ecológica, de um "Pacto Eco-nacional" por assim dizer. Temos que discutir e relocar populações que hoje se encontram em área de risco civil e sanitário, promovendo moradias dignas e atentas para a transição ecológica.
Que este pacto ecológico possa fomentar formas alternativas de saneamento básico, resistentes e resilientes, potencializando redução de emissões e sequestro de CO2. Que possamos entender a restauração de nossas florestas degradadas como medida de urgência para o enfrentamento da crise climática e ambiental. E que nesse processo possamos incluir nas discussões o reflorestamento de nossas regiões costeiras, contemplando nesse grande programa áreas submersas, onde florestas de algas e outras plantas marinhas, juntamente com corais, constroem ambientes chaves para o equilíbrio ambiental e climático.
Ações como essa podem resultar em economias regenerativas que quebrem o ciclo vicioso e estabeleçam ambientes efetivamente sustentáveis para que possamos atentar para os compromissos multilaterais da Década da Restauração dos Ecossistemas, pactuada nas Nações Unidas.
Que o sentimento de medo evolua para um desejo de esperançar um futuro possível e necessário. Utilizar esse contexto de crise e emergência é tristemente oportuno para nos convencermos e nos comprometermos com este novo pacto por um país atento à Transição Ecológica e aos legados dos povos originários nesse sentido.
Defesa civil
Para receber informes de eventos extremos e demais alertas da defesa civil basta enviar SMS com o CEP da sua região para o número 40199.
A Defesa Civil responde com mensagem de confirmação do seu cadastro e a partir deste momento você passa a receber alertas periódicos sobre as situações de maior gravidade na sua região.
*Paulo Horta é doutor em ciências biológicas pela USP e pós-doutor em ecologia marinha pela Plymouth University (Reino Unido). Atualmente é professor da UFSC, onde coordena pesquisas relacionadas aos impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas e poluição dos oceanos.