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Petrobras perde participação na produção de petróleo e gás no Brasil – Por Francismar Cunha Ferreira

No período analisado, a produção da Petrobras não diminuiu, porém o ritmo de crescimento das outras petroleiras foi maior. Enquanto a taxa de crescimento anual da estatal foi de 2,4%, as de outras empresas cresceram 19,2%.

Logo da Petrobras na sede da empresa no Rio.Créditos: Div
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Nos últimos 10 anos, a participação da Petrobras na produção nacional de petróleo diminuiu 24,9%. Isso ocorreu, principalmente, devido a decisões políticas da gestão da companhia e ao aumento da presença de empresas estrangeiras e nacionais que passaram a atuar no país após o fim do monopólio estatal do setor. No entanto, a Petrobras ainda mantém participação majoritária na produção de petróleo no Brasil, o que é importante ser mantido e ampliado, pois se trata de uma empresa estratégica para o desenvolvimento e a segurança energética nacional.

A produção de petróleo e gás no Brasil, em agosto de 2023, foi de 4,392 MMboe/d (milhões de barris equivalentes por dia), segundo dados da ANP. A produção da Petrobras representou 64,3% desse volume. Uma participação menor do que a verificada há uma década, em agosto de 2013, quando a produção mensal foi de 2,495 MMboe/d e a Petrobras respondeu por 89,2% do total nacional. 

Em contrapartida, nesse decênio, observou-se o aumento da participação de outras empresas. Em agosto de 2013, elas produziram em conjunto 10,8%. Dez anos depois, em agosto de 2023, o percentual da participação dessas outras empresas subiu para 35,7%. No gráfico abaixo, é possível observar esse crescimento considerando as médias anuais da produção de petróleo do período compreendido entre 2013 e 2022.

Gráfico 01: Participação da Petrobras e de outras empresas na produção nacional de petróleo e investimentos da Petrobras em E&P.

Fonte: ANP (2013 - 2022) e Relatórios da administração da Petrobras (2013 - 2023).

No período analisado, a produção da Petrobras não diminuiu, porém o ritmo de crescimento das outras petroleiras foi maior. Enquanto a taxa de crescimento anual da estatal foi de 2,4%, as de outras empresas cresceram 19,2% no mesmo período. Esse aumento da participação de outras petroleiras na produção nacional pode ser explicado por três fatores. 

O primeiro foi a redução dos investimentos da Petrobras em exploração e produção (E&P), conforme indicado no gráfico acima. Entre 2015 e 2022, os investimentos nessa área caíram de R$ 63,3 bilhões para R$ 35,9 bilhões, uma queda de 43,3%.  A redução de investimentos em E&P dificulta a descoberta de novas reservas, compromete o desenvolvimento de projetos que poderiam aumentar a produtividade dos campos existentes e fragiliza operacional e financeiramente o futuro da companhia.

O segundo fator foi a política de desinvestimentos adotada pela Petrobras a partir de 2015, que incluiu a venda de ativos do setor de E&P. De acordo com dados do Ineep, entre 2015 e setembro de 2023, foram privatizados 226 ativos de produção e exploração em diferentes bacias brasileiras. Essas privatizações contribuíram para o aumento da produção por outras empresas e implicaram em uma contração da atuação da Petrobras em muitas regiões, movimento que pode motivar perdas importantes. Afinal, a Petrobras se notabilizou ao longo de seus 70 anos por ser uma companhia integrada e indutora do desenvolvimento, o que dificilmente poderá ser repetido por outras empresas do setor. 

O terceiro aspecto que contribuiu para o aumento da produção de outras empresas, especialmente das multinacionais, deve-se ao fato de elas atuarem em vários campos de alta produtividade no polígono do pré-sal. São os casos, por exemplo, dos campos de Tupi e Mero. O primeiro – responsável por 30% da produção nacional em agosto de 2023, segundo a ANP – é gerido pelo consórcio formado pela Petrobras (operadora) que detém 65% do ativo, a Shell (25%) e a Petrogal (10%). No campo de Mero (o terceiro maior produtor, representando 9% da produção nacional), a participação societária da Petrobras (operadora) é de 38,6%, a Shell e a Total dispõem ambas de 19,3%; a CNODC e a CNOOC, de 9,6% cada; e a PPSA, de 3,5%. 

Contudo, não foi somente a participação da Petrobras como concessionária na produção nacional que reduziu nos últimos 10 anos, mas também sua participação como operadora. De acordo com dados da ANP, em agosto de 2023, a produção dos campos operados pela Petrobras, incluindo os consórcios, respondeu por 88,3% da produção nacional, queda de 4,5 pontos percentuais quando comparados à participação da estatal em agosto de 2013, que alcançou 92,8% da produção de óleo e gás no país.

A tendência atual é de que a participação de outras empresas, especialmente de multinacionais, na produção nacional de petróleo deve aumentar em decorrência da flexibilização da participação da Petrobras nos contratos de regime de partilha (Lei n° 13.365/2016) que, dentre outras coisas, abriu mais espaço para a atuação de diferentes empresas no pré-sal. Além disso, novos ativos arrematados por outras empresas e vendidos pela Petrobras ainda entrarão em produção nos próximos anos.

Em resumo, a redução dos investimentos estatais, a privatização de campos de produção e a ampliação da atuação de outras empresas no E&P, especialmente de multinacionais em campos de alta produtividade no pré-sal, resultaram na perda de participação da Petrobras em um dos setores mais estratégicos para a segurança energética nacional. Afinal, as empresas atuantes no setor não possuem a mesma capacidade de investimentos da Petrobras e tampouco os mesmos compromissos que a companhia possui, enquanto estatal, com o Brasil e os brasileiros. Nesse cenário, é recomendável que a Petrobras revise seu plano de privatizações, que segue acontecendo, e retome um nível satisfatório de investimentos em E&P.

*Francismar Cunha Ferreira é Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), possui licenciatura, bacharelado e mestrado em Geografia pela mesma Universidade e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).