Nos últimos seis anos, a Petrobras tem destacado o papel desempenhado pela sua estratégia financeira para o aumento de sua eficiência privada, expresso na redução do endividamento, no aumento do caixa livre e na ampliação da distribuição de dividendos. O Planejamento Estratégico/PE de 2022-2026 da Petrobras, denominado Investimento com Responsabilidade, explicita isso muito bem ao afirmar que a estratégia financeira da empresa está centrada em “manter a estrutura ótima de capital, comprometimento com a melhor alocação de capital e maximizar geração de valor”.
Isso significa dizer que a companhia pretende manter o processo de desalavancagem (redução de capital de terceiros), desde 2016, com o estabelecimento de uma meta de endividamento bruta de US$ 60 bilhões. Além disso, a gestão de portfólio permanece centrada nos investimentos na exploração e produção (E&P) de petróleo no pré-sal e na venda de ativos de outras áreas em que a Petrobras atuava ou atua. Maximizar os lucros para os acionistas, no curto prazo, é o imperativo hoje na gestão da companhia que é uma sociedade de economia mista, sob controle da União.
Quanto à questão da redução do endividamento, cabe perguntar: a redução da dívida sempre representa uma melhora das condições financeiras? Não necessariamente, pois é bom lembrar que o endividamento é uma das mais importantes fontes de financiamento dos investimentos (em imobilizados e intangíveis), que gerarão caixa no futuro (após iniciado a produção).
No setor de petróleo e gás, o endividamento tem um papel ainda mais relevante em virtude do considerável descasamento temporal entre os elevados investimentos na exploração e desenvolvimento de novas reservas (realização de despesas concentrada no tempo[2] - novos projetos do pré-sal demoram entre 3 e 5 anos para serem finalizados) e o início da produção que proporcionará receitas (fluxo de caixa) ao longo do tempo de vida da reserva.
Nesse sentido, a questão da estrutura de capital (maior ou menor endividamento) deve ser analisada levando em conta as capacidades de geração de caixa futura, fruto dos investimentos de hoje e dos riscos associados a esse processo. Quando os custos de capital de terceiros são menores que a taxa de rentabilidade esperada dos novos investimentos, a expansão do endividamento torna-se uma estratégia desejada para a ampliação da acumulação de capital da empresa.
No que tange à melhora na alocação de capital, a estratégia da Petrobras foi e é concentra-se n E&P no pré-sal, que possuem maiores taxas de retorno, e sair de outras atividades que possuem taxa de retorno positiva, mas menores do que a da E&P. Essa estratégia provoca a desintegração vertical da empresa, aumentando a exposição a variáveis que ela não controla, como câmbio, preço do petróleo e mudanças tecnológicas referentes a redução dos custos das energias renováveis.
Daniel Yergin, em seu livro clássico "O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder", nos mostrou que a história do petróleo é a trajetória da configuração da formação dos grandes conglomerados empresariais (Standard Oil fundada pela família Rockefeller que tem a ExxonMobil como principal herdeira, Shell, etc.) que para atuar nesse segmento precisaram realizar o processo de integração vertical.
Atualmente, a grandes petroleiras integradas continuam adotando essa estratégia de integração vertical, inclusive aumentando essa integração (“do poço ao poste”) com os investimentos em petroquímica e energia renovável, mesmo que, no curto prazo, esses investimentos tenham menores taxas de retorno. A Petrobras é a única que está fazendo um profundo processo de desintegração vertical, mesmo com o atual nível de endividamento baixo, inclusive vendendo ativos de energia renovável (campos de energia eólica).
Entre 2016 e 1T2022, a Petrobras vendeu cerca de 46 ativos, dentre os quais campos de produção de petróleo, BR distribuidora, NTS, TAG, RLAM entre outros, que proporcionaram uma entrada de caixa de cerca de R$ 145 bilhões (ao valor de 31/03/2022 deflacionado pelo IPCA). No governo Bolsonaro (2019-1T2022), o montante de recursos financeiros que entrou no caixa da Petrobras, com a venda de ativos, foi da ordem de R$ 97 bilhões.
Além da venda de ativos, a atual gestão de portfólio provocou a redução dos investimentos, que nos últimos anos não estão cobrindo nem mesmo desgastes das máquinas, equipamentos e reservas (valor da depreciação, depleção e amortização). Entre 2019 e 1T2022, a Petrobras desembolsou (caixa) nas aquisições de ativos imobilizados e intangíveis cerca de R$ 110,5 bilhões ao passo que a depreciação, depleção e amortização foi de cerca de R$ 196,5 bilhões. Ou seja, a Petrobras somente repôs 56% dos desgastes das máquinas, equipamentos e reservas, porcentagem bem abaixo da média das dez maiores petroleiras integradas (BP, Chevron, China Petroleum & Chemical, Eni, Equinor, Exxon Mobil, PetroChina, Shell, Suncor Energy, Total Energia), excluindo a Saudi Aranco, que foi de 76%.
Essa gestão de portfólio, com a atual suposta estrutura ótima de capital, implica necessariamente num encolhimento da empresa pela via da venda de ativos e na redução dos investimentos.
Se no filme “Querida, Encolhi as Crianças”, o protagonista, o cientista Wayne, encolheu acidentalmente, numa experiência, os seus filhos, no caso da atual gestão da Petrobras há uma decisão deliberada em encolher a empresa. O PE/2022-2026 da Petrobras poderia ser denominado: Querida, encolhi a empresa. Mas quem ganha com isso? No curto prazo, os acionistas com a enorme ampliação dos lucros, da geração de caixa operacional e, sobretudo, da distribuição de dividendos.
A ampliação dos lucros e da geração de caixa operacional (R$ 505 bilhões entre 2019 e 1T2022) da Petrobras, nos últimos anos, é fruto da atual política de preços dos derivados – que utiliza a Paridade de Preço de Importação (PPI) –; e do aumento da produção de petróleo no pré-sal, que possuem custo total de produção de petróleo (CTPP) baixos, entre $US 41-45 por barril na média do 1T2022. Esse aumento da produção, com custos baixos, é, em boa medida, decorrência dos investimentos realizados entre 2013 e 2016.
Mas se a Petrobras está gerando esse enorme caixa, num contexto atual de redução da dívida, qual o motivo para a empresa não aumentar o investimento? A resposta é a gestão de portfólio, que tem como eixo os investimento em E&P do pré-sal. Como os investimentos em outras áreas são menos rentáveis (como refino, logística, distribuição e energia renovável), a gestão atual da empresa não diversifica os projetos de investimentos implicando no aumento do volume de recursos sobrantes, após os investimentos e os pagamentos financeiros. Esses recursos sobrantes vão para o pagamento de dividendos que totalizaram cerca de R$ 167 bilhões entre 2019 e 1T2022. Desse total, 37,5% foi para a União e o restante para o setor privado, sobretudo, estrangeiro (40% do total).
Esse volume de distribuição de dividendos que implicou em menores investimentos, dada a atual gestão de portfólio, faz com que a empresa não tenha uma estratégia em relação às alternativas futuras ao petróleo no médio e longo prazo. A Petrobras poderia estar investindo em energias renováveis olhando a transição energética como melhoria do bem-estar e também como uma possibilidade de geração de lucros no futuro. Se hoje o pré-sal é uma grande “vaca leiteira” da geração de caixa, as energias renováveis poderiam se tornar no futuro essa nova oportunidade para a empresas caso essa começasse a investir a partir de hoje. No entanto, a Petrobras está presa num circuito fechado curto prazista que benéfica os acionistas hoje, em detrimento dos consumidores e da empresa no futuro, que seguirá encolhendo caso não seja mudada a sua atual estratégia de portfólio.
[1] Professor do IE/UFRJ e Pesquisador do INEEP/FUP.
[2]A Petrobras tem hoje em execução 11 grandes projetos de exploração no pré-sal, com capex estimado da ordem de US$ 22,9 bilhões
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