O Brasil, (des)governado por Jair Bolsonaro, está convulsionado. Além do permanente estado de alerta, conflagrado a partir dos ataques reiterados às instituições democráticas, orquestradas de dentro do Palácio do Planalto, não há no horizonte – tampouco houve algum dia, ainda que minimamente, qualquer projeto de governo que viabilizasse a diminuição da pobreza, da miséria extrema, do desemprego e do desalento do povo brasileiro.
E às vésperas das eleições presidenciais, último ano do mandato de Bolsonaro – o pior governo da história recente do nosso país - a sociedade assiste aos mandos e desmandos de alguém que sempre desprezou a democracia; que desrespeita o estado democrático, ao rasgar a Constituição Federal, a nossa carta cidadã, e que jamais honrou o cargo que ocupa. Lembremo-nos que ele, desavergonhadamente, homenageou o torturador e ex-chefe do DOI-Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, no plenário da Câmara dos Deputados.
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro testou todos os limites constitucionais; questionou o processo eleitoral o quanto pôde, forçando a Câmara a votar e barrar a proposta do voto impresso; atacou o Supremo e seu colegiado e, mais recentemente, deu um indulto a um condenado pelo STF, numa clara afronta à decisão da Suprema Corte. E isso tudo fazendo um governo com base no toma lá, dá cá e de acordos espúrios com membros do Congresso Nacional, ou seja, mostrando o estelionato eleitoral a que ele submeteu a nação.
Ao contrário de outros países que viveram sob ditaduras, o Brasil não promoveu justiça de transição capaz de inibir novos casos de autoritarismo, que ameaçam romper o estado de direito e reviver as graves violações aos direitos humanos. Um exemplo disso foi a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, que perdoou aqueles que praticaram atos ilícitos, com motivação política, no contexto de estado de exceção. Todavia, na prática, a norma aprovada se constituiu em um dos maiores casos de impunidade ao estabelecer autoperdão aos militares governantes e demais agentes do Estado que praticaram crimes comuns e de lesa-humanidade.
Quando apresentei, em 2011, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n° 573, que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura militar (1964-1985) aqueles cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, efetiva ou supostamente, praticaram crimes políticos, é porque compreende-se que, sem a revisão da norma, o Brasil não resolverá o problema político da transição para a democracia; não efetivará o direito à verdade e à memória; bem como não encontrará condições de processar e julgar os agentes públicos que praticaram violações graves e sistemáticas aos direitos humanos durante o regime militar.
A prática de um Estado democrático não pode estar presa aos livros didáticos de ciência política, pois deve funcionar em forte articulação com as demandas do tempo presente e com ações que levem ao exercício da cidadania e respeito aos direitos humanos. Isso porque, revisar a Lei da Anistia não é, e jamais será, revanchismo, mas expressar, conforme a Constituição cidadã de 1988, que a Lei da Anistia não exclui os crimes praticados pelo e em nome do Estado brasileiro, tais como tortura, estupro, abuso de autoridade, atentado violento ao pudor, desaparecimento forçado entre outros, por serem crimes comuns e não políticos. O Brasil descumpre, inclusive, uma sentença da Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA), que determinou que o governo brasileiro revisasse a Lei da Anistia, que beneficiou tanto as vítimas quanto seus algozes.
Ao rediscutirmos, portanto, a revisão da Lei da Anistia, buscando uma interpretação conforme prevê a Constituição Federal e o Direito Internacional, queremos, pois, uma conformação democrática sólida. Queremos a prevalência dos direitos humanos para além de uma interpretação jurídica da Lei da Anistia diante da Constituição. Queremos assegurar no Brasil, o Estado democrático de direito.
Não ao golpismo de Jair Bolsonaro.
*Luiza Erundina (PSOL-SP) é deputada federal e foi prefeita de São Paulo.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.