Não será hoje nem amanhã, mas se depender da vontade de mais de um milhão de pessoas Jair Messias Bolsonaro poderá se transformar no primeiro chefe de Estado condenado por crime de ecocídio. Uma petição com mais de um milhão de assinaturas colhidas no mundo inteiro pede ao Tribunal Penal Internacional de Haia que abra uma investigação formal por crimes ambientais cometidos pelo presidente brasileiro, ligados ao desflorestamento da Amazônia.
A petição, intitulada “O Planeta contra Bolsonaro”, lembra que já foram apresentadas quatro queixas contra o capitão por não combater a desflorestação ilegal da floresta, sem que o TPI tenha se manifestado. Por isso, os subscritores lançam um apelo direto ao procurador do Tribunal, Karim Khan, para que “inicie uma investigação preliminar às várias queixas apresentadas contra Jair Bolsonaro e à sua Administração, uma vez que todas elas mostravam provas meticulosas sobre a urgência extrema e o impacto global da destruição ambiental e das violações de direitos humanos cometidas por Bolsonaro e pela sua Administração”.
Desde que Bolsonaro chegou à presidência, em 2019, o desmatamento da Amazônia não parou de crescer, sendo que 2021 foi o pior em 10 anos, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. Os dados apontam que mais de 10 mil quilômetros de mata nativa foram destruídos no ano passado, um crescimento de 29% em relação a 2020.
Na Conferência do Clima de Glasgow, a COP26, realizada no ano passado, o Brasil comprometeu-se a travar a desflorestação na Amazónia, mas os dados mostram que a destruição continua.
Entre janeiro a dezembro do ano passado, foram destruídos 10.362 km² de mata nativa, o que equivale à metade do estado de Sergipe, de acordo com o Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon, instituto que monitora a região por meio de imagens de satélites.
Ao cruzarem os dados das áreas desmatadas com o banco de dados do Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro, os pesquisadores notaram que 4.915 km² foram devastados em territórios federais. O que corresponde a 47% de todo o desmatamento registrado na Amazônia no ano passado. Apenas nessas áreas, a destruição aumentou 21% em comparação com 2020, sendo a pior em 10 anos.
E como se não bastasse, no primeiro trimestre de 2022 foi registrado o maior número acumulado de alertas de desmatamento na história do monitoramento feito pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). O total chegou a 941,34 km², maior índice desde 2016. Isso representou uma alta de 54%, se comparado com janeiro, fevereiro e março de 2021. A área equivale a quase três vezes o estado do Goiás.
Em terras indígenas, nos últimos três anos, houve alta de 153%, em média, no desmatamento, o que equivale a uma área de 1.255 km². E a tendência é que o desmatamento cresça ainda mais com a aprovação dos projetos de lei que estão em discussão no Congresso e que defendem a regularização de áreas desmatadas e atividade de exploração mineral em terras indígenas.
O Ipam, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, fala em urgência e recomenda que sejam elaboradas “estratégias regionais robustas integradas aos planos estaduais de prevenção e controle do desmatamento”. Além disso, os pesquisadores reforçam que é preciso priorizar as investigações sobre crimes ambientais. Coisa que o governo desmente, por considerar que o Brasil já faz muito.
Não é de se estranhar, aliás, que o Ministério do Meio Ambiente faça uma leitura completamente diferente da situação. Sobre os alertas de desmatamento do último semestre indica uma redução 5% em comparação com mesmo período do ano anterior. Como? Só Deus sabe.
Enquanto a ação do Messias milagroso só sirva para piorar a destruição da mata e de seus habitantes, o mundo se preocupa e age. O advogado francês William Bourdon, ex-presidente da Federação Internacional dos Direitos Humanos, que representa as comunidades indígenas numa das queixas apresentadas ao TPI, admite que a atenção do tribunal que investiga e julga crimes contra a humanidade esteja concentrada atualmente na invasão russa da Ucrânia. Porém, “sem desmerecer quão crucial é esta investigação, isso não deve impedir a condução de outras investigações igualmente urgentes e essenciais para a comunidade internacional”; disse. Afinal, a desflorestação mundial contribui com cerca de 20% das emissões de dióxido de carbono do planeta, o que equivale a um valor 1,5 vezes superior às emissões dos sistemas de transporte aéreo, rodoviário, ferroviário e marítimo de todo o mundo.
As organizações ambientalistas autoras da petição “O Planeta contra Bolsonaro” acusam Brasília de presidir um dos maiores desinvestimentos na área da proteção ambiental, ao mesmo tempo que promove a exploração de áreas sensíveis na Amazônia, além de desvalorizar o papel das comunidades indígenas na defesa da biosfera. Lembram que o governo brasileiro tem travado vários processos de demarcação de terras, tal como é previsto pela Constituição.
Os organizadores da carta enviada ao TPI alertam enfim para a aproximação das eleições presidenciais, marcadas para outubro, nas quais Bolsonaro tenta se reeleger. “Um segundo mandato da sua Administração teria enormes consequências para a humanidade em todo o planeta”.
Assino em baixo.
*Milton Blay é formado em Direito e Jornalismo, já passou por veículos como Jovem Pan, Jornal da Tarde, revista Visão, Folha de S.Paulo, rádios Capital, Excelsior (futura CBN), Eldorado, Bandeirantes e TV Democracia, além da Radio France Internationale.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.