Por Rede Jubileu Sul Brasil *
Vivemos tempos de guerra na Europa. O contexto de enfrentamentos entre Rússia e Ucrânia coloca o mundo frente a frente com ameaças inéditas e desafios antigos, que comportam variantes históricas, sociológicas, econômicas e de um novo arranjo geopolítico em curso. Como aprofundar o debate sobre o conflito em sua complexidade sem legitimar a guerra? Sem aceitar a invasão russa que fere a soberania da Ucrânia, nem heroicizar a liderança ucraniana pela resistência à ocupação? Sem compactuar com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que pauta sua estratégia na militarização, com tentativas para avançar nas fronteiras?
Após semanas de conflito, as sanções comercias e econômicas à Rússia repercutem no mundo, cujo tabuleiro geopolítico está em movimentação. Sem falar na inflação que o conflito já está produzindo no mundo inteiro, com o aumento no preço dos combustíveis e alimentos. No Brasil, se de um lado temos o governo Bolsonaro e diplomatas do país em ações e pronunciamentos contraditórios ou até mesmo divergentes, de outro, temos as lideranças políticas, inclusive da esquerda, vacilantes na tarefa de encontrar uma forma de contrapor narrativas pautadas exclusivamente pela versão norte-americana da guerra, enquanto vemos crescer no país a aversão contra tudo que se identifique com a Rússia, haja vista a grande proliferação de memes divulgados em perfis das redes sociais e a crescente onda de notícias falsas de todos os lados, gerando desinformação sobre a guerra e as posições envolvidas.
Com esse cenário, como contribuir para que a população brasileira avance na reflexão e compreensão do que de fato está em jogo na guerra deflagrada na Europa? Como promover um debate geopolítico para além das programações especiais duvidosas que aparecem na TV e dos conteúdos amplamente distribuídos, sem nenhum compromisso com a verdade, nas redes sociais? Como fazer o contraponto à mídia comercial hegemônica que pauta a guerra sempre, e quase exclusivamente, a partir da agenda imperialista norte-americana? Há muito se sabe que uma guerra sempre interessa para o capitalismo em mutação, para os Estados Unidos e as potências europeias e suas economias em crise.
Entendemos que dentro dos conflitos armados e de ocupação os/as principais afetados/as são as mulheres, crianças e idosos, é a população mais vulnerável, principalmente aquelas que carregam em seus corpos o modelo patriarcal, excludente e extrativo.
Não podemos nos omitir nem deixar de denunciar o impacto que está presente em qualquer conflito militar, com aprofundamento das agressões e ódio sobre a vida das pessoas e da natureza, gerando ondas de migração e refugiados.
Na semana em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, o Brasil acordou com mais um episódio repudiável de machismo e misoginia protagonizado pelo deputado estadual de São Paulo, Arthur do Val, agora sem partido, que compartilhou relatos inaceitáveis a respeito das mulheres refugiadas ucranianas após viagem ao país, em meio à guerra. As declarações do deputado estremeceram o tabuleiro eleitoral no Brasil, obrigando o ex-juiz Sérgio Moro (Podemos), pré-candidato à presidência da República, a se posicionar sobre a atitude do seu companheiro de palanques e fotos. Não é de hoje que a garantia da vida das mulheres está negligenciada! Neste 14 de março, a memória pelos quatro anos do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, denunciam a impunidade vigente no país. São quatro anos sem reposta para a pergunta que não cala: quem mandou matar Marielle?
Ainda na carona da guerra, o governo Bolsonaro tenta passar no Congresso Nacional o chamado Pacote da Destruição, com Projetos de Lei que podem conceder anistia à grilagem, ameaçam a vida dos povos tradicionais e dão às costas para os direitos da natureza. As milhares de vozes que se levantaram no último dia 9 de março, no gramado da Esplanada dos Ministérios, com forte presença de artistas e povos indígenas, parece anunciar tempos de maior engajamento popular contra retrocessos, carestia e estagnação do país, trazendo a arte de volta para o embate em defesa da democracia e dos direitos fundamentais do povo brasileiro.
No 8 de março, tivemos nas ruas a resistência feminina, que fortaleceu a luta pela vida das mulheres e reafirmou o repúdio ao governo Bolsonaro e a tudo que ele representa: ameaça à democracia, à soberania nacional, aos direitos dos povos tradicionais e aos direitos da natureza.
No esquenta da confirmação das candidaturas para as eleições gerais, para além de garantir o Fora Bolsonaro, precisamos pautar a necessidade de um projeto popular para o Brasil, da organização nas bases, para fortalecer as pautas que interessam ao povo e podem garantir geração de renda e emprego, políticas públicas para saúde, educação, ciência e infraestrutura, com respeito aos povos tradicionais e a seus territórios.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores!
Não à militarização!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.