Por Aloizio Mercadante*
É muito difícil encontrar uma liderança histórica que tenha alguma semelhança com a trajetória de vida, de luta e política de Lula. Nelson Mandela tem alguma. A história da África é fortemente marcada pela colonização e pela escravidão, que empobreceu, oprimiu, explorou e dividiu, durante séculos, aquele continente. Essa triste e pesada herança gerou imensas dificuldades no processo de reconstrução civilizatória e de impulso ao desenvolvimento.
Nelson Mandela ficou 27 anos preso por ter lutado, desde muito jovem, contra o regime do apartheid racial, que era talvez o resquício mais perverso da colonização escravista. Mas, ele consegue, mesmo de dentro da prisão, acompanhar a evolução política do movimento de emancipação, a construção do Congresso Nacional Africano, da poderosa central sindical, a Cosatu, além das incontáveis lutas e mobilizações populares, e passa a ser a grande liderança histórica do continente africano, como descreve em sua autobiografia “O Longo Caminho para a Liberdade”.
Mandela sai da prisão para construir um amplo leque de alianças internacionais e na África para derrotar o apartheid, para promover o protagonismo dos negros como sujeitos políticos de sua própria história, que eram a ampla maioria da sociedade, e para erradicar aquela desigualdade racial opressora. É evidente que seu governo não resolveu todos os problemas do desenvolvimento econômico e nem toda a tragédia social herdada, mas Mandela será lembrado como esse grande estadista capaz de dialogar, de construir e de projetar o sonho da justiça racial e social.
No Brasil e talvez da América Latina, a grande liderança que possui uma história de vida de superação de dificuldades e de enfrentamento das perseguições, da opressão, da discriminação e do preconceito é o Lula. Foi ele quem conseguiu organizar as grandes lutas operários e o movimento sindical e teve um papel decisivo para derrotar a ditadura. Foi Lula também que construiu um partido que ficou em primeiro ou em segundo lugar em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização, que ganhou quatro eleições seguidas e, hoje, fica claro que não venceu em 2018 pela perseguição judicial, pelo golpe de estado e pela prisão arbitrária do Lula, que impediram uma vitória que estava desenhada.
Agora, depois de 580 dias preso injustamente, Lula volta e consegue, em algumas entrevistas memoráveis, mudar a qualidade do debate e estabelecer pontes e diálogos, reconstruindo os sonhos contra a desigualdade social no Brasil. Além disso, consegue tecer uma ampla frente democrática para derrotar a extrema direita golpista, negacionista, isolada internacionalmente e que gerou todos esses retrocessos, mas principalmente uma aliança que seja capaz de colocar no centro do futuro governo a desigualdade social e a discriminação racial e de gênero.
Nós vamos ter uma campanha muito polarizada e pesada contra Lula, por isso, não podemos subestimar as agressões que virão do outro lado. Não tem nada que se compare ao legado Lula, principalmente essas tragédias patrocinadas pelo golpe e pelo governo Bolsonaro. A extrema direita vai tentar confundir, difamar, manipular, mas será muito difícil apagar o legado do Lula, o presidente mais bem avaliado da história e que lidera todas as pesquisas.
Por isso, nós precisamos nos preparar para uma campanha que fortaleça o PT e os partidos de esquerda, para organizar os comitês populares Lula presidente, que devem ser não só um instrumento de campanha, mas uma base orgânica de mobilização e de sustentação política do futuro governo popular e do processo de reconstrução e transformação do Brasil.
O programa de Lula irá enfrentar as emergências sociais, principalmente a fome desemprego e a pobreza. Mas, ao mesmo tempo, precisará recuperar a capacidade de investimento do estado para a reconstrução do país e para alavancar o crescimento e a geração de emprego e renda, promover uma reindustrialização do país e o impulso à ciência, à tecnologia e à inovação. E o eixo estruturante de todo esse imenso esforço histórico será o enfrentamento das desigualdades e resgate das políticas sociais, porque há um imenso atraso educacional e importantes desafios na saúde e na segurança pública.
Quanto mais próximos de 2023 nós estamos, mais uma página memorável da história do Brasil está sendo escrita. Lula é a grande liderança, carismática, popular, inovadora e democrática que vai trazer a esperança de volta e que vai inspirar toda a América Latina com um programa em que as forças progressistas avancem para retomar a integração regional, o enfrentamento da desigualdade social, a defesa da democracia e dos direitos humanos.
*Aloizio Mercadante é ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum