Por Bruno Rocha Lima *
Este artigo dialoga com o texto publicado “Perspectivas para a luta árabe na Palestina e no Brasil”. Para tanto, abordamos o prosseguimento de duas políticas que são nefastas. A primeira, e já deveras tratada, é a “teoria do empate”, aquela que aplicada na América Latina “equilibra ambos os lados em conflito” na Palestina Ocupada. É pura cretinice, como se em uma luta anticolonial invasores e invadidos estivessem em paridade de armas e justificativa.
A segunda, ainda mais assustadora, é o alinhamento com o expansionismo sionista vindo dos EUA. Popularizado no discurso de “guerra cultural” através da difusão da ignorância programada, aproximando manipuladores da economia capitalista de plataforma com os falsos pregadores de uma versão grega pessimamente traduzida do Velho Testamento. Em 2018, o vento a favor proveniente da Operação Lava Jato, do golpe de Estado com apelido de impeachment e a ameaça real de golpe militar contra o Supremo, garantiu a vitória do energúmeno rodeado de asseclas e aproveitadores de quinta categoria.
Dentre seus detratores, uma parte da extrema direita rompe com o Desgoverno, propondo mais um ciclo de administrações nefastas, onde o personagem seria um ex-juiz com ares de corregedor da moral vestindo calças curtas, muito curtas. Sim, Sergio Fernando Moro, ex-magistrado da 13ª Vara Criminal federal deixou a toga e a cadeira de direito na UFPR (sabe-se lá como fora aprovado em ambos os concursos), primeiro para assumir o posto de ministro da Justiça de Bolsonaro. Uma vez rompido com o presidente protofascista, outra articulação da extrema direita tenta ganhar voo solo. Não sem antes executar outro movimento.
Moro, o homem dos gringos
Moro foi trabalhar como consultor na Alvarez & Marsal, e em 30 de novembro de 2020, a empresa responsável pela recuperação judicial de empresas como Odebrecht e OAS, solenemente anunciava sua contratação. O modelo de portas giratórias é um convite para o permanente conflito de interesses revelado pelo próprio time a serviço da “consultoria” com sede nos Estados Unidos. Vejam a equipe com a qual o paladino de Maringá se somaria:
“Moro é especialista em liderar investigações anticorrupção complexas e de alto perfil, crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e crime organizado, bem como aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa. Sua contratação reforça o time da A&M formado por ex-funcionários de governos, incluindo Steve Spiegelhalter (ex-promotor do Departamento de Justiça dos EUA), Bill Waldie (agente especial aposentado do FBI), Anita Alvarez (ex-procuradora do estado de Cook County, Chicago) e Robert DeCicco (ex-funcionário civil da Agência de Segurança Nacional), Paul Sharma (ex-vice-chefe da Autoridade de Regulação Prudencial do Reino Unido) e Suzanne Maughan (ex-líder investigativo da Divisão de Execução e Crime Financeiro da Autoridade de Conduta Financeira e investigador destacado para o Escritório de Fraudes).”
Como afirmamos, Moro entrou em franco conflito de interesses, algo que foi percebido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), quando de sua saída da empresa para se filiar no Podemos e assim concorrer à Presidência do país cuja economia ele ajudou a quebrar. Apenas no setor da construção pesada e complexo óleo e gás, ele, Dallagnol (também fora do Ministério Público Federal e se aventurando na política eleitoral na mesma legenda) e sua turma destruíram 4,4 milhões de empregos diretos ao congelar contratos das empresas investigadas pela própria força tarefa. Em 31 de outubro de 2022, onze meses após ter sido contratado pela empresa gestora transnacional, aquele cuja comédia ficcional dirigida por José Padilha (O Mecanismo) dera a alcunha de “Vigilante Sombrio” saía de seu posto – antes rebaixado, de sócio para consultor – e se veria obrigado a desvelar segredos.
O ministro Bruno Dantas determinou que “Alvarez & Marsal deve fornecer toda documentação relativa ao rompimento do vínculo de prestação de serviços com o ex-juiz Sergio Moro, incluindo datas das transações e valores envolvidos”. Parece muita “coincidência” tudo isso, tal como o calendário de datas e compromissos. Algo semelhante se dera na revelação das conversas da Vaza Jato vindas a confirmar sua materialidade na Operação Spoofing.
Dallagnol teria uma relação direta com a agente dos EUA operando no Brasil, Leslie Rodrigues Backschies, com atuação no Brasil desde 2012 passando a um período mais acentuado durante o ápice da Operação Lava Jato, entre 2014 e as eleições gerais de 2018. Era muita “intimidade”, sendo que “em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA”.
No conjunto das relações de subordinação, valor e lealdade, a Força Tarefa da Lava Jato, especialmente em Curitiba, era estardalhaço para a sociedade civil e empresas de mídia do Brasil, e discrição nas relações com a Justiça dos EUA e o FBI. Assim como a estrutura de controle do algoritmo da NSA no capitalismo de plataforma, a aplicação do chamado FCPA, Foreign Corrupt Practices Act é um grande negócio. Através deste mecanismo, o império estadunidense pode ameaçar com sanções a empresas e selos de não confiabilidade através da agência do Tesouro, FinCen. Ao mesmo tempo, incidem nos contratos de reorganização empresarial e gestão de instituições investigadas ou sob a intervenção da Justiça, como da construção pesada no país. O modelo de negócios da delação premiada teve um “pioneiro no país” após 2016.
Promiscuidade imperialista e lucrativa
Luis Nassif (e este que escreve) avisava a respeito da promiscuidade lucrativa
“Em quase todos os países, o jogo é padrão. No início, uma campanha sem quartel dos procuradores contra empresas suspeitas, infundindo terror nos empresários direta ou indiretamente ameaçados pelas investigações. Depois, a campanha pela implementação de sistemas de compliance nas empresas por grandes escritórios de advocacia, abrindo um mercado de trabalho para os procuradores.O jogo é esse. Em um primeiro momento, a cooperação internacional – com procuradores sendo alimentados preferencialmente pelo DHS e Departamento de Justiça dos Estados Unidos – confere enorme poder aos ministérios públicos nacionais destruírem sistemas políticos e outras entidades contaminadas pelo financiamento de campanhas. Depois, abre um expressivo mercado de trabalho na área de compliance”.
O que pode ocorrer com a hipotética vitória de Sergio Moro na corrida presidencial de 2022, é simplesmente a hipoteca total de qualquer soberania vinda do aparelho de Estado brasileiro, em especial nesta aliança conjunta entre braço repressivo e instituições punitivas. A economia brasileira viverá a constante ameaça de ferir interesses de possíveis aliados dos Estados Unidos, em qualquer nível do jogo de concorrência do Sistema Internacional. As relações horizontais travadas por Moro, Dallagnol e companhia junto aos agentes estadunidenses operando no Brasil são de total cumplicidade e complementaridade.
A Operação Lava Jato e o golpe de 2016 se deram durante o segundo governo Obama, e as ameaças contra a soberania em 2022 vão se dar no segundo ano da administração Joe Biden. Trump está com Bolsonaro e o deep state sempre esteve com Moro. Dificilmente as instituições de Estado do país poderão fazer frente em todos os níveis a essas ameaças. Assim como beira o desespero um presidente negacionista em plena pandemia, um entreguista convicto e com ares de “justiceiro” é tão perigoso quanto.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio (www.monitordooriente.com)
*Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor em ciência política e professor universitário nos cursos de Relações Internacionais, Jornalismo e Direito. Editor dos canais do “Estratégia & Análise, a análise política para a esquerda mais à esquerda”.
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