Por Mônica Francisco*
Esse poderia ser um momento fúnebre. Celebrar o Dia Internacional da Democracia diante de todas as atrocidades e retrocessos que vivenciamos no Brasil. Com menos de cem anos da sua conturbada existência, vivemos em um constante limiar da sua efetivação. Primeiro porque, para a Democracia valer de fato, é necessário haver discussão pública na tomada de decisões, seja dentro ou fora das Casas Legislativas. Mas, o que vemos são mandatos verticais e bancadas com relações ruralistas, milicianas e o presidente com posturas que beiram o fascismo.
Como mulher preta e pastora, posso afirmar que o desrespeito ao estado laico virou regra no país. “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” é um misto de nacionalismo autoritário e derrocada da liberdade de harmonia entre as crenças plurais e diversas presentes no Brasil. Democracia é também pensar no voto como arma fundamental desse processo. É justamente a segurança eleitoral do sistema brasileiro que tem evitado que o país caminhe para a ala da Autocracia, como na Turquia e na Índia, uma vez que o Brasil é o 4º país que mais se afastou da democracia em 2020, segundo o relatório Variações da Democracia (V-Dem).
A liberdade é outro fator caro para a democracia. Ser livre para ir e vir, exercer a liberdade para gozar de direitos fundamentais, além da liberdade de expressão de seus cidadãos e cidadãs. Por outro lado, o que nossa atual democracia nos oferece é o encarceramento em massa da população preta e um elevado número de presos sem julgamentos. De acordo com levantamentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com Tribunais de Justiça, os presos provisórios somam 35% do número total de pessoas presas no Brasil, o que coloca o Estado brasileiro como um violador da Lei Penal.
Tudo isso sem falar na igualdade entre os cidadãos, em um país que lutou e construiu os pilares de sua jovem democracia sob o maior crime da humanidade, a escravidão. A herança que o sistema escravocrata brasileiro nos deixou foi o racismo estrutural, institucionalizado e capilarizado em todas as instâncias dos Poderes brasileiros: é essa a democracia que executa e assassina vereadora e não dá respostas à população. Salve Marielle Franco!
É também nesta democracia que diversas denúncias internacionais estão sendo feitas pela alta cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o quão preocupante é viver no Brasil. Violação de direitos humanos, risco de vida à ativistas e situação dos povos indígenas e originários, são fatos brasileiros que o mundo inteiro tem acompanhado horrorizado. A tese do Marco Temporal, pressionada pela mineração e o agronegócio, tentou passar no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma nação que não reconhece seus povos de origem, ainda não é uma democracia completa.
Quando digo que não farão política sem nós, posiciono a ética e a estética da classe trabalhadora desse país, a população negra e trabalhadoras do serviço doméstico. A nossa política tem lado, e não é ao lado dos poderosos, das oligarquias, do agronegócio e dos patrões. A luta contra o bolsonarismo nos exige firmeza e responsabilidade, pois ela se confunde com a luta pela democracia brasileira.
Em nossa “Mandata Quilombo” enfrentamos imensos desafios, para além dos que nos impõem os governos negacionistas, excludentes e genocidas. Enfrentamos os olhares desconfiados, os estranhamentos daqueles que não estão acostumados com nossos corpos e cores nos espaços de poder: é o racismo institucionalizado, que impede a plenitude da nossa democracia. Estamos aqui coletivamente para trazer nossas cores, corpos, força, alegria e ancestralidade e para reafirmar que não farão mais política sem nós!
*Mônica Francisco é deputada estadual, vice-líder da bancada do PSOL e presidente da Comissão do Trabalho da Alerj
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum