Por Sergio Takemoto *
Está na pauta do Plenário do Senado desta quarta-feira (1º), Projeto de Decreto Legislativo que pode impedir uma injustiça a milhares de trabalhadores. Trata-se do PDL 342, que suspende os efeitos da chamada “Resolução 23” da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR). Tal resolução acaba com a autogestão dos planos de saúde em todas as estatais brasileiras, inviabilizando o direito constitucional de assistência para 1,5 milhão de vidas (titulares e dependentes), incluindo empregados da Caixa Econômica e de outras empresas públicas federais.
O projeto seria votado pelos senadores na última semana, conforme chegou a garantir o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), à Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae) e outras entidades sindicais. Contudo, acabou sendo retirado de pauta a pedido do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). A justificativa: “impacto nas contas das empresas estatais”.
Tal argumento, contudo, é derrubado por dados do próprio governo. De acordo com o Relatório Agregado/2020 da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), divulgado no último mês de julho pelo Ministério da Economia, do total de 1,56 milhão de beneficiários de planos de saúde patrocinados por estatais federais, 27% estão vinculados ao Banco do Brasil, 18,3% à Caixa, 17,8% à Petrobras e 17,1% aos Correios. As demais 42 empresas consideradas no relatório, incluindo a Eletrobras, respondem por menos 20% deste total. Trata-se, portanto, em grande medida, de instituições lucrativas, que não dependem de recursos do Tesouro para o custeio delas e contam com políticas de pessoal competitivas, especialmente nos setores financeiro e de petróleo.
Ano passado, ainda conforme o relatório da Sest, a despesa destas estatais com o financiamento da assistência à saúde foi de R$ 8,6 bilhões, já considerado o fato de que a participação das grandes empresas se manteve superior aos limites previstos na Resolução 23 da CGPAR. Entre outros prejuízos aos planos de saúde dos trabalhadores, a medida estabelece que “a contribuição da empresa para o custeio dos benefícios não poderá exceder a contribuição dos empregados”. Na prática, a resolução determina que metade dos custos assistenciais e administrativos dos benefícios de saúde passe a ser financiada pelos usuários.
Considerada a média de 69% do custeio dos planos pelas empresas, a transferência de aproximadamente 20 pontos percentuais das despesas para a responsabilidade dos trabalhadores resultará em um ônus de R$ 3,5 mil por ano, em média, a cada empregado. Isto representa um acréscimo [médio] de 61% nas contribuições dos trabalhadores, o que refletirá, por consequência, na redução da renda familiar dessas pessoas.
Como fica demonstrado pelo relatório da Sest, mais de 80% das empresas públicas já são responsáveis pelo (auto)custeio, incluindo a atual proporção de financiamento da assistência à saúde aos empregados. No caso do Saúde Caixa, por exemplo, 70% das despesas do plano são pagas pelo banco e 30% pelos empregados.
Não há que se falar, portanto, em “impacto da ordem de R$ 6 bilhões por ano nas contas das empresas estatais”, como o governo argumentou para retirar o PDL 342 da pauta do Senado, na última quarta-feira (25). As estatais federais já honram o custeio da assistência à saúde em R$ 8,6 bilhões anuais.
Outra prova da fragilidade do “argumento” do governo levado aos senadores é que, na Câmara dos Deputados, a proposição [lá, identificada como PDC 956/2018] foi aprovada em julho por ampla maioria: 365 votos favoráveis e 39 contrários. Como observa a deputada Erika Kokay (PT-DF), autora do PDC 956, o projeto resgata direitos conquistados pelos empregados tanto pelo fato de a Resolução 23 legislar ao arrepio da Agência Nacional de Saúde (ANS) quanto por interferir nos contratos de trabalho, nos acordos e nas convenções coletivas.
Relator do PDL 342, o senador Romário (Podemos-RJ) foi enfático em seu parecer favorável à aprovação do projeto: “Apesar de declarar que estabelece diretrizes e parâmetros para o custeio das empresas estatais federais sobre benefícios de assistência à saúde aos empregados, na realidade [a resolução] restringe o direito à saúde dos empregados”. Nas palavras do parlamentar, “além de ilegal, a resolução é inconstitucional por restringir indevidamente o direito dos empregados à saúde e por violar direitos adquiridos dos trabalhadores à manutenção das condições do contrato de trabalho”, citando os artigos 5º, 6º e 7º da Constituição Federal.
Composta por 20 artigos, a Resolução 23 vem sendo questionada desde julho de 2017. O teor da normativa demonstra total desconsideração pelo direito social e trabalhista.
Além de inviabilizar a assistência à saúde principalmente para os empregados com menor renda, a resolução retira a capacidade negocial entre empresas e trabalhadores, impondo-lhes a prevalência do “legislado” sobre o “negociado”. Impede, ainda, a filiação até mesmo de pais dependentes econômicos e a garantia da assistência para futuros empregados.
O objetivo dessa danosa resolução é, sem dúvida, o sequestro de direitos trabalhista. E não só isso. Procura beneficiar, na verdade, o mercado privado de seguros de saúde, uma vez que impede que as estatais possam operar seus próprios planos.
Observamos que, desde 2018, o governo e a direção da Caixa Econômica Federal tentam impor a CGPAR 23 na gestão do Saúde Caixa. Temos resistido e a aprovação do PDL 342 pelo Senado garantirá a manutenção de direitos conquistados há anos pelos trabalhadores.
*Sergio Takemoto é presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.