Por Leonardo Sttopa *
O Congresso já aprovou e agora está nas mãos do povo e do STF o destino do setor elétrico brasileiro. Cabe recurso e por vários motivos, porém, de nada adianta mantermos nossos motivos restritos a uma bolha. Precisamos gritar aos quatro cantos o que significa a entrega do controle do Sistema Eletrobras, principalmente porque o STF, acovardado por regra, costuma ter uma “coragenzinha” quando a coisa fica pública. Mas a razão deste breve artigo é expor uma indignação técnica em relação à sustentação da senadora Kátia Bolsonaro (cujo sobrenome foi substituído em respeito ao companheiro José de Abreu).
Primeiro destaco o ato covarde da senadora, que durante todo o tempo iludiu os eletricitários, que se achou representada por aqueles que “viraram de lado” no último momento, e sabemos, a partir do exemplo comum nas aulas de economia, que “os coelhos aumentam de preço a medida em que se tornam mais difíceis de serem capturados”. Certamente foi essa a técnica da senadora Kátia Bolsonaro, que aguardou até o último segundo para mudar de lado e usou grande parte do seu tempo para justificar seu direito de “vender o voto”.
Com um eufemismo covarde de quem estaria “batalhando por recursos para seu estado”, Kátia sabe o mal que fez ao Brasil, e sabe isso de forma tão clara que repetiu diversas vezes os possíveis benefícios da privatização da Eletrobras, que na retórica dos privatizadores é chamada de “aporte de capital”.
O que Kátia Bolsonaro sabe, mas finge não saber, é que todo o investimento em transporte e geração de gás em nada dependiam desse “aporte de capital” que tirou do povo o controle do sistema elétrico brasileiro. O bom samaritano que fará tal investimento poderia fazer exatamente o mesmo, sem tocar na Eletrobras. Se por tara lhe convém o uso do nome, poderia dar uma “PSBDzada” e criar a Eletrobrax SA, com seu complexo de geradoras a gás, injetando a produção no sistema elétrico já existente e mantendo a Eletrobras de hoje, que fornece a energia mais barata do Brasil.
A maior incoerência técnica, porém, é a sustentação de redução de preços partindo para uma produção que não produz impacto ambiental. Compreensível... Para quem pertence ao grupo dos ruralistas nada produz impacto ambiental e tudo é possível em nome do enriquecimento. Apesar de que o produto da queima do gás natural não se compara com as emissões de outros combustíveis como o carvão, a extração e transporte do gás natural produzem sim um grande impacto ambiental e como o gás natural, ao contrário do “gás do lixo”, se formou em tempo geológico, o gás carbônico resultante de sua queima é fator a ser considerado no aquecimento global. Ah, esqueci... Os Bolsonaros não acreditam em aquecimento global...
Tudo bem, mas essa hipocrisia de que você teve oportunidade de consultar especialistas, ver estudos e que o preço da “luz” vai diminuir... Que especialista senadora? Os do MBL? Como é possível cogitar a diminuição do preço da energia substituindo matéria prima que custa R$ 40 por outra que vai custar mais de R$ 300? Não é preciso ser “economista de Facebook” para saber que está mentindo, e é por isso que a senhora explicou a mesma coisa cinco vezes: é difícil explicar aquilo que nem você acredita!
Ah, mas precisamos fortalecer o nosso sistema elétrico para o crescimento industrial! Meu Deus, que crescimento industrial? A indústria brasileira está “fechada com Bolsonaro”. Qual a expectativa de recebermos indústrias em um país que troca a matriz energética, abandonando aos poucos a fonte mais barata de energia para beneficiar especuladores que querem construir termoelétricas a gás? Não temos indústria e “vossa excelência” sabe que não teremos crescimento industrial. Pior: trabalha para consolidar este Brasil em que “o agro é pop”, inteiramente voltado ao setor agrícola.
Agora, sobre esse papo de crise... Convenhamos: ninguém te contou como criaram a crise e como poderíamos vencer a crise? Difícil que não! Até o último momento você estava em contato com os engenheiros da Eletrobras e não com os especialistas do MBL, mas vou deixar aqui uma noção de como toda a hipocrisia do seu discurso vai contra a sua suposta intenção de evitar momentos de crise como este:
Se o “aporte de capital” proposto para a ampliação do setor elétrico fosse usado para subsidiar a fabricação de aquecedores solares, disponibilizados a toda população brasileira com isenção de impostos e parcelamento a juros de poupança, o fôlego dado ao sistema elétrico já seria suficiente para substituir todo esse investimento em ineficiência. Pois é! Não podemos falar neste assunto porque os “barões da energia” são absolutamente contra essa conversa. Seria como inventar o carro a água, mas grande parte da energia elétrica e até mesmo o gás consumidos no Brasil seriam poupados se partíssemos para a cultura de utilizar o sol para aquecimento direto de água e em projetos mais ousados, transferência de temperatura do sol para fornos e outras utilidades.
Nós, os “cientistas”, fazemos este tipo de proposta em artigos, monografias, dissertações e teses, mas misteriosamente não somos levadas a sério e o motivo é simples: ninguém pode cobrar pelo sol, mas alguém vai lucrar com o gás. Parabéns senadora, é a vitoriosa do “Show do Milhão”, e pior: pode até ser eleita novamente para “lutar contra a corrupção e acabar com o comunismo”. A nós, do povo, além da incerteza quanto ao nosso futuro, ficou o aprendizado de que só gente do povo defende o que é do povo. Pelo menos entre os eletricistas, industriários e acadêmicos brasileiros você será lembrada como a traidora que nos colocou na “câmara de gás”.
* Leonardo Stoppa é especialista em Jornalismo Político. Possui formação multidisciplinar como cientista político, economista e engenheiro (Ambiental, Elétrica/Eletrônica, Produção, Segurança do Trabalho), especialista em Geração, Transmissão e Distribuição de Energia. É registrado no sistema CONFEA (Brasil) e é membro pleno (MIET) do Instituto de Engenharia e Tecnologia do Reino Unido. Atuou como engenheiro em grandes empresas como Toyota-UK e British Engineering Services.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.