Por José Guimarães *
O Brasil assiste a mais um triste capítulo da luta dos povos originários por dignidade e respeito. Desde a semana passada, delegações indígenas protestam pacificamente no “Levante da Terra”, em Brasília, contra o retrógrado Projeto de Lei 490/2007, em discussão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Hoje pela manhã, dezenas deles foram surpreendidos com o contingente desnecessário de policiais, tropa de choque e cavalaria em frente ao local das manifestações.
Bombas, spray de pimenta e gás lacrimogêneo foram lançados contra crianças, jovens e lideranças indígenas que estavam ali para exigir o direito garantido pela Constituição de serem ouvidos. O que se viu foi mais uma cena grotesca de desrespeito a quem aqui chegou primeiro. A presidência da Câmara precisa, com urgência, esclarecer por que o Departamento de Polícia Legislativa (Depol) foi acionado. Juntamente com a Polícia Militar (PM), oficiais legislativos agiram com truculência.
Retrocesso – A luta dos indígenas acampados em Brasília tenta reverter mais uma investida do governo Bolsonaro que retira direitos dos povos originários. Ao tentar alterar o regime jurídico das terras indígenas, inclusive no tocante ao processo de demarcação, o PL 490/2007 aplica um duro golpe contra aqueles que deveriam ter a primazia da proteção estatal.
Além de prever que os processos de demarcação só aconteçam a partir de leis, a proposta se revela inconstitucional ao permitir o garimpo nas terras desses povos, contrariando o artigo 231 da Constituição Federal. O que está em tramitação fere cláusulas pétreas e retira dos indígenas terras já oficializadas há décadas. Um verdadeiro retrocesso em plena pandemia, quando tais populações deveriam ser foco prioritário de proteção do Estado.
Segregação – Desde a semana passada, a discussão do projeto na CCJ tem se revelado segregadora. Esse já foi um tema debatido outrora, durante os governos petistas, mas, pela primeira vez, os povos originários, os mais afetados pelo projeto, não foram convidados para opinar sobre a questão. Trata-se de uma reação autoritária, que vilipendia o diálogo, única possibilidade possível de construção de um consenso para o bem coletivo.
A proposta em questão é inconstitucional. Por meio de um Projeto de Lei, deseja-se alterar a Constituição Federal. Onde já se viu isso? Não podemos aceitar que a CCJ continue a debater tal matéria. Põe-se em xeque a validade dos constituintes, que reconheceram a legitimidade dos povos originários em ocupar as terras que lhe são de direito, e, também, a importância do poder Executivo em definir tais demarcações. Esse é um papel que não cabe ao Legislativo.
Tal direito já foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal, portanto, não há espaço, agora, para o parlamento ir contra o entendimento. A grande verdade é que essa iniciativa tem interesses escusos, principalmente daqueles que lucram com crimes ambientais. O desastre na política ambiental derruba árvores, retira direitos dos povos indígenas e afasta investidores internacionais. Quem lá de fora vai continuar acreditando no Brasil que passa a boiada e não garante a proteção dos povos indígenas?
Demarcação e mobilização já!
*José Guimarães é deputado federal (PT/CE) e vice-líder da Minoria na Câmara Federal.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.