Sete décadas depois, um tiro na energia do Brasil – Por Fernando Brito

O país foi, paulatinamente, construindo sua autossuficiência elétrica, numa matriz extraordinariamente limpa frente aos demais países do mundo. Tudo isso acaba um pouco hoje, com a venda a toque de caixa da Eletrobras

Foto: Agência Brasil
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Por Fernando Brito, reproduzido do Tijolaço

Há 73 anos, na sua Carta Testamento, Getúlio Vargas deitou à sabotagem as fontes de energia do Brasil boa parte das razões da conspiração que o levou ao suicídio: Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Naquele Brasil, a falta de luz era constante nos centros industriais do país – São Paulo, Rio e Minas – e nem pensar que o interior rural tivesse energia: mesmo as cidades menores que a tinham eram servidas por uma corrente elétrica fraca, oscilante e quase diariamente interrompida.

Em sete décadas, o Brasil ganhou capacidade de construção e operação de hidrelétricas nos maiores padrões mundiais de engenharia e de linhas de transmissão raramente igualadas no planeta, inclusive com inovações como a transmissão em altas voltagens de corrente contínua, com baixos níveis de perdas no deslocamento da energia.

O país foi, paulatinamente, construindo sua autossuficiência elétrica, numa matriz extraordinariamente limpa frente aos demais países do mundo.

Tudo isso acaba um pouco hoje, com a venda a toque de caixa da Eletrobras.

Foi, na expressão do senador Jean Paul Prates, uma “quermesse energética”. Os senadores, como antes os deputados, desenharam um monstrengo para que se garantisse a montagem, com compra compulsória de térmicas a gás, onde nem sequer há gasodutos que as abasteçam. Pequenas centrais hidrelétricas, que podem suprir sistemas locais, são extremamente dispendiosas se não consideradas as necessárias integrações a grandes redes de transmissão.

Tem todos os temperos do retrocesso: a exclusão do Ibama e da Funai do licenciamento de linhas de transmissão de energia que atravessem terras indígenas é uma porteira aberta para a devastação destas áreas.

Os investimentos obrigatórios podem servir até, no médio prazo, para alguma produção de energia – esqueçam a possibilidade de influírem na crise atual, ou mesmo no médio prazo, mas não oferecem ao país um horizonte de oferta abundante de energia barata.

Ao contrário, é energia mais cara, agora e depois, porque investimentos de baixo retorno terão de ser remuneradas pelos consumidores e ninguém porá dinheiro na Eletrobras privatizada para ter retorno em longo prazo, como é característica do setor.

A última e pequena esperança está em que a Justiça barre a monstruosidade que se está consumando no Legislativo. Difícil: o Judiciário, sempre tão ativo quando se trata de interferir na política, em geral é pouco interessado em interferir em algo que diz respeito à nossa própria soberania como nação.

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