Artigo publicado originalmente em O Cafezinho clicando aqui:
Por Miguel do Rosário *
Poucas vezes na vida testemunhei uma sucessão de movimentos políticos tão rápidos e mortais como os feitos por Lula e Marcelo Freixo nos últimos dias. Analisando todos esses movimentos como um todo, podemos compará-lo a um xeque mate, operado sobretudo pelo ex-presidente.
Em jargão enxadrista, foi um mate pastor, que é aquela jogada em que as peças brancas dão xeque-mate nas pretas, logo no início da partida, em apenas quatro lances.
Operando as peças pretas, temos a terceira via, especialmente Ciro Gomes e o PDT.
A decisão do deputado federal Marcelo Freixo de sair do PSOL e migrar para o PSB tem de ser analisada do alto, para observamos não apenas a cena em si, mas o seu entorno, suas causas, desenvolvimento e consequências.
A rapidez fulminante das jogadas é apenas aparente. Nem devemos levar a metáfora do xadrez tão à sério, pois não é xadrez. É política. Os movimentos foram planejados, meticulosamente, muito antes.
Entretanto, seria um erro achar que Marcelo Freixo foi um coadjuvante de Lula.
Muito pelo contrário. Freixo surpreendeu a todos pela frieza, objetividade, e até por uma certa dose de cinismo, embora de um tipo positivo de cinismo, eu diria, daquele que sabemos ser necessário para a realpolitik. Um cinismo que provoca antes admiração que repulsa, pois o eleitor médio entende perfeitamente que política não é lugar para ingênuos.
Com a movimentação, Freixo, que já aparece em primeiro lugar nas pesquisas, se consolida ainda mais como um candidato extremamente competitivo nas eleições para o governo do Rio em 2022.
Lula, por sua vez, confirma o seu gênio político, o qual igualmente não é desprovido de uma pitada maliciosa.
Antes de continuar a análise, repassemos os fatos.
Semana passada, o deputado federal Marcelo Freixo participou de uma reunião, no Rio de Janeiro, com o ex-presidente Lula. Presentes ao encontro, estavam também os deputados federais Alessandro Molon (PSB-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ambos protagonistas da esquerda fluminense e nacional.
Molon é líder do PSB na Câmara dos Deputados – e atual líder da Oposição.
Jandira foi líder da Minoria no primeiro ano do governo Bolsonaro, por indicação do PDT.
O atual líder da Minoria é Marcelo Freixo.
Existe a Liderança da Minoria e a Liderança da Oposição. A primeira é mais valorizada, porque oferece uma estrutura a seu titular, como uma sala própria e alguns cargos de confiança.
Os três, Freixo, Molon e Jandira são campeões das redes sociais – e esse não é um fato menor em nossa análise. Aliás, quem não considerar a importância das redes sociais no processo político e eleitoral, especialmente em eleições para governo do estado e presidência da república, está muito desatualizado. Bolsonaro venceu as eleições presidenciais, e elegeu aliados no congresso e em alguns governos, por já ser forte nas redes sociais antes de ser presidente. Ao final do post, confira alguns números de redes sociais dos principais atores políticos do Brasil.
Freixo não apenas saiu do PSOL. Não apenas entrou no PSB. O movimento mais explícito, e com maior impacto político, foi a sua entrada forte na campanha de Lula, pondo fim a uma dúvida que ainda pairava no ar sobre sua posição em 2022. Desde quinta-feira que Freixo vem postando ou compartilhando, todos os dias, mensagens em apoio ao ex-presidente. Também deu entrevistas a Veja e ao UOL, em que afirma categoricamente que defende a unificação das forças em torno do petista, e que o PSB, seu novo partido, “tende a apoiar Lula”.
Ao longo dos últimos meses, houve muitos rumores, alguns provavelmente plantados pelo próprio Freixo, de que ele poderia ingressar no PDT, o que seria lido, naturalmente, como um sinal claro de uma aposta em Ciro Gomes, pré-candidato do partido à presidência da república. Alguns militantes do PDT e o próprio Lupi, presidente nacional da legenda, cometeram o erro mais fatal em política, o da ingenuidade. Alguns militantes anunciavam, como fait accompli, que Freixo já estava de malas prontas para entrar no PDT. Lupi dava entrevistas sobre estender o “tapete vermelho” para o deputado. Para Freixo, os rumores eram bem vindos, porque ele entendeu que, para se viabilizar como candidato competitivo em 2022, o apoio do PDT, ou pelo menos, do eleitor simpático ao PDT, seria muito útil. Em 2018, Ciro ficou em segundo lugar no estado e na capital, e em 2020, a candidata do PDT, Martha Rocha, ficou em terceiro lugar, embora apenas um pouco à frente de Benedita da Silva, do PT; a candidata do PSOL ficou num quinto lugar muito distante.
Freixo deve ter percebido que, em 2018, muitos de seus eleitores também votaram em Ciro Gomes. Uma análise de sua votação mostra uma coincidência muito grande entre os votos de ambos: tanto Freixo como Ciro tiveram votações muito concentradas nas mesmas zonas eleitorais, conhecidas por seu voto de esquerda, como Laranjeiras e Tijuca.
Um observador frio da cena política já podia intuir que o deputado nunca teve a intenção real de ingressar no PDT. Ao mesmo tempo, ele precisava aumentar seu prestígio dentro do eleitorado cirista, para reduzir os danos que viriam com sua adesão a Lula.
A esposa de Marcelo Freixo, a escritora Antonio Pellegrino, um quadro político e intelectual de primeira grandeza, filiou-se ao PT durante a mesma reunião com Lula que antecedeu o anúncio da entrada de Freixo no PSB.
No entanto, não podemos esquecer que a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula, e a restituição integral de seus direitos políticos, correspondeu a uma reviravolta profunda na política nacional. Esse fato, mais a sua disparada nas pesquisas, deu a Lula um poder gravitacional imenso, que ele vem explorando sem nenhuma compaixão por seus adversários.
O outro efeito do movimento de Freixo, sobretudo pelo contexto, é uma consolidação muito forte da tendência do PSB em se aliar ao Partido dos Trabalhadores nas eleições de 2022. Desta vez, o PSB não ficará neutro. Freixo entrou no PSB quase que num movimento combinado no sentido de ser, como candidato ao governo do Rio, não apenas o principal palanque de Lula no terceiro maior colégio eleitoral do país, mas como um dos principais defensores de uma aliança nacional entre PSB e PT em torno do ex-presidente.
Esses movimentos criam imediatamente ainda mais dificuldades para Ciro Gomes e o PDT, que fizeram alguns sacrifícios nas eleições municipais de 2020, na esperança de que receberiam apoio do partido em 2022 para seu projeto nacional. Aí novamente testemunhamos uma ingenuidade indesculpável. Ciro Gomes, Lupi e alguns quadros do PDT davam entrevistas como se o PSB já fosse um aliado “certo”, quando o mesmo jamais deixou isso claro. Em 2022, Ciro Gomes corre o risco de repetir 2018 e ficar novamente isolado, mas numa situação agora ainda pior, porque o seu principal adversário na disputa para chegar o segundo turno, o PT, não mais está. Com o PSB dentro da aliança, o PT rompe o “gelo”, e terá muito mais facilidade para atrair outras legendas de esquerda e centro.
Há ainda consequências locais importantes nas movimentações de Lula e Freixo no Rio de Janeiro.
Durante sua estadia no Rio, Lula encontrou-se com o filiado ao PDT que tem, hoje, o cargo mais importante do partido no estado: Axel Grael, prefeito de Niterói, segunda maior cidade do estado, e uma das joias da coroa do PDT, porque é um município rico em recursos, em função dos generosos royalties de petróleo que recebe todos os anos, da Petrobras, por abrigar a Universidade Federal Fluminense, a maior federal do país, e por ter uma composição socioeconômica muito privilegiada, com proporção muito acima da média nacional de famílias de classe A e B.
Axel postou o encontro com Lula em suas redes sociais, enfatizando a aliança entre PDT e PT no município. Evidentemente, foi mais um golpe na estratégia de Ciro Gomes de levar seu partido para longe de Lula.
A movimentação de Lula não parou por aí. Lula encontrou-se com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, num almoço do qual participou o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, que talvez seja candidato ao governo do Rio pelo PSD, novo partido de Paes. O que vem nas entrelinhas aí não é trivial. Santa Cruz é um nome forte, mas não a ponto de competir com Freixo. Em virtude de seu histórico de embates com Freixo e com o PSOL, Paes teria algumas dificuldades de se engajar na campanha do agora deputado do PSB. Mas não são dificuldades intransponíveis, e de qualquer forma o encontro pode selar um acordo informal de promessa de apoio no segundo turno. Isso já bastaria para Freixo sair na frente, por exemplo, de seu principal concorrente no estado, que é ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, do PDT.
A deputada federal Jandira Feghali, principal nome do PCdoB no Rio de Janeiro, adiantou ao Cafezinho que Freixo será avaliado por seu partido como um nome que reúne todas as condições de liderar uma frente ampla para derrotar as forças conservadoras no estado do Rio. Lulista de primeira e última hora, e voz influente dentro do partido, há pouca dúvida de que Jandira defenderá o apoio do PCdoB a Freixo e Lula.
Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, também falou ao Cafezinho. Ele tem sido cuidadoso e diplomático, para não ferir os brios do partido do qual é presidente, mas é difícil para ele esconder que deseja o apoio do PSOL à candidatura Freixo para o governo do Rio, e a Lula, para a presidência da república.
Rodrigo Neves já farejou o perigo de isolamento, e tratou de plantar notas em jornais para avisar que está voltando de Portugal para iniciar as articulações de sua candidatura.
A coluna de Berenice Seabra, no jornal Extra, deu a seguinte nota hoje:
Vai a São Borja, no Rio Grande do Sul, no encontro anual com as origens promovido por líderes trabalhistas. Aos amigos, Neves tem dito que vai se aconselhar com Getúlio, Jango e Brizola — todos sepultados na cidade. E que, na volta, anuncia sua pré-candidatura a governador.
A peregrinação a São Borja e aos túmulos de Getúlio, Jango e Brizola, é um dos eventos mais tradicionais do PDT, e a informação serve ao propósito de Rodrigo Neves de afirmar que se mantém firme no PDT, e que vai lutar pela candidatura própria do partido a nível estadual e nacional. Mas também reflete o que se tornou talvez um vício da legenda de se apegar excessivamente a símbolos do passado, às vezes no momento errado. Nesse momento, seria mais interessante, do ponto-de-vista político e eleitoral, que Rodrigo Neves sinalizasse algo mais concreto e consequente do que esse turismo partidário.
Completando os movimentos, Lula também organizou reuniões com: influentes lideranças jovens de comunidades carentes, criando um fato político de muito impacto na opinião pública local e nacional; com artistas; com as principais lideranças do PSOL do estado, gerando imagens com o vereador Tarcísio Motta (mais votado na cidade), a deputada estadual Renata Souza, e a deputada federal Talíria Petrone.
Ah, a pitada maliciosa de Lula foi o ato público de filiação de brizolistas, incluindo o ex-vereador Leonel Brizola Neto, neto do fundador do PDT. Com esse ato, Lula produziu uma pequena crise familiar entre os herdeiros políticos de Brizola, além de muita polêmica nas redes.
Critiquem quanto quiserem o ex-presidente, mas acho impossível negar, a essa altura, o seu incomparável talento como articulador político.
Dados de redes sociais dos principais atores políticos mencionados no post
Freixo tem 1,6 milhão de seguidores no Twitter.
O Twitter do deputado recebeu 6,8 milhões de interações no primeiro trimestre de 2021. Apenas um político teve movimentação superior, o presidente Jair Bolsonaro, 8 milhões. Ciro e Lula receberam, no mesmo período, 4 milhões e 3,4 milhões de interações, respectivamente.
Ainda no primeiro trimestre, enquanto Bolsonaro ganhou 17 mil novos seguidores no Twitter, Freixo ganhou 68 mil. A propósito, no mesmo período, Ciro ganhou 95 mil novos seguidores, e o ex-presidente Lula, 327 mil.
No Instagram, tivemos acesso a dados do último mês de janeiro, período no qual Marcelo Freixo igualmente foi o segundo político com mais curtidas em seus conteúdos, 3,45 milhões, contra 1,4 milhão de Ciro e 736 mil de Lula. O Instagram de Bolsonaro, por sua vez, registrou 8,2 milhões de curtidas em seus conteúdos, em janeiro.
O terceiro lugar ficou com Guilherme Boulos, cujas postagens no Instagram receberam 3,23 milhões de curtidas em janeiro.
Bolsonaro tem 18 milhões de fãs no Instagram, contra 1,07 milhão de Freixo, 1,61 milhão de Boulos, 1,09 milhão de Ciro e 1,95 milhão de Lula.
No Facebook, temos dados de janeiro deste ano para alguns atores políticos importantes, mas não de Freixo. No período, as postagens na página de Bolsonaro receberam 10,5 milhões de curtidas, contra 2,34 milhões de Haddad, 1,59 milhão de Boulos, 1,24 milhão de Jandira e 734 mil de Ciro Gomes.
Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
*Miguel do Rosário é jornalista, editor do blog O Cafezinho.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.