Por Paulo Victor Melo *
Com frequência, o governador de Sergipe e o prefeito de Aracaju, Belivaldo Chagas e Edvaldo Nogueira, respectivamente, utilizam da imprensa e das redes sociais para dizer que “as pessoas devem colaborar”, “devem ficar em casa” e “devem respeitar o distanciamento social”. Enquanto direcionam os pedidos à população, Belivaldo e Edvaldo acenam positivamente para o setor empresarial à medida em que vão promovendo a abertura do comércio mesmo com aumento das contaminações e óbitos pelo coronavírus. Um exemplo? No mesmo dia em que o estado atingiu mais de 4.800 mortes por Covid-19 e a capital Aracaju registrou quase 2 mil vidas perdidas desde o início da pandemia, Belivaldo e Edvaldo liberaram o funcionamento de bares e restaurantes aos sábados, até 21h.
Basta acompanhar as entrevistas ou publicações de ambos nas redes sociais para não termos dúvidas que agem de forma combinada. Mas a manhã de hoje (23) revelou que a perfeita sinfonia entre Belivaldo e Edvaldo é ainda mais perversa do que uma atuação pra lá de tímida no enfrentamento à Covid-19.
Nas primeiras hora da manhã desse domingo, quando se espera que as famílias tenham um pouco mais de tranquilidade, as cerca de 70 pessoas da Ocupação João Mulungu, no centro da capital, experimentaram a crueldade da sinfonia entre o governador e o prefeito.
Ignorando a realidade de negação do direito à moradia digna, a Polícia Militar de Sergipe praticou ações violentas para retirar mulheres, homens, idosos/as e crianças de um prédio que estava abandonado há anos na avenida Ivo do Prado. O nome do prédio? Edifício Danusa. A proprietária do prédio? Construtora Cosil. Uma rápida pesquisa no Google permite saber quem é a mulher que dá nome ao prédio e a que família pertence a construtora.
Outro indício da sinfonia entre governo e Prefeitura? De acordo com um relatório da Secretaria Municipal da Assistência Social, as famílias da Ocupação “teriam onde morar”.
Não querendo deixar qualquer incerteza sobre a crueldade da operação de reintegração de posse, a PM destruiu até mesmo uma biblioteca comunitária, construída pelos moradores e moradoras da João Mulungu. Livros infantis, revistas, jornais, CDs, carteiras escolares. Um espaço construído com carinho e com suor – que evidencia a preocupação daquelas famílias com a educação – foi simplesmente destruído pela ação estatal.
Não bastasse, durante a reintegração de posse, sete integrantes do MLB foram algemados, detidos pela Polícia Militar e estão sendo acusados de diversos crimes. A pergunta que deve ser feita: é crime lutar pelo direito a um teto, especialmente quando a fome bate à porta todos os dias?
Vale ressaltar que, desde outubro do ano passado, as famílias da Ocupação e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) tentam dialogar com a Prefeitura de Aracaju e o governo de Sergipe sobre o direito à moradia. Até aqui, contudo, o prefeito e o governador parecem não ter encontrado tempo.
Como ficar em casa quando não se tem casa? Como ficar em casa se quando se ocupa um espaço abandonado, o poder público retira-lhe com violência e com armas?
Em “Cananeia, Iguape e Ilha Comprida”, Emicida canta que “metrópoles sufocam, são necrópoles que não se tocam, então se chocam com o sonho de alguém. São assassinas de domingo, a pausar tudo que é lindo...”. Impossível não pensar em Belivaldo e Edvaldo.
*Paulo Victor Melo é jornalista.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.