Por José Guimarães *
Se considerarmos a máxima sempre em voga, de que “o orçamento nacional é uma peça de ficção”, seria uma ficção muito mal escrita! Muito além de suas imperfeições técnicas e legais, que ocuparam o espaço de nossos analistas da grande mídia, sofre de uma deformação moral estrutural.
Fiéis aos anacrônicos dogmas neoliberais predominantes no pensamento econômico nacional, em descompasso para com o resto do planeta, tenta-se inserir os impactos colossais da pandemia em nossa economia e em nossas contas públicas nos estreitos marcos do ajuste fiscal. Na fiel observância dos limites de regras fiscais inexequíveis, como a regra do teto. É como colocar um pé 45 num sapato 35! Isso gerou um orçamento que nem respeita o teto e muito menos respeita as demandas de políticas públicas para o enfrentamento da pandemia e sua crise. Trata-se de uma fraude! E essa falha moral congênita compromete o próprio futuro do nosso país.
Ao contrário do que assistimos nos EUA, com seus pacotes de trilhões de dólares para socorrer aos americanos, e com isso a própria economia, e apesar do acirramento da pandemia e suas consequências, o orçamento de 2021 passa ao largo de soluções, e se restringe à lógica da austeridade fiscal e a uma série de imbróglios formais.
Dentre eles, a LDO estendeu para despesas não obrigatórias e sem caráter continuado, como o Auxílio Emergencial, o alcance do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, tornando necessário indicar quais despesas seriam cortadas ou quais receitas majoradas para compensar a criação de uma nova despesa. Isso valeria mesmo para o Benefício Emergencial, que deve ser financiado com crédito extraordinário, e não tem caráter continuado. O problema teve de ser resolvido por meio de um Projeto de Lei do Congresso Nacional (o PLN n. 2/2021), que retirou a obrigatoriedade dessas compensações. Mas a notória insuficiência dos valores prometidos para que o auxílio impactasse efetivamente no isolamento social e no aquecimento do consumo das famílias, apontada pela oposição, foi solenemente ignorada pelos governistas.
Outro imbróglio foi a necessidade de corte de cerca de R$ 26 bilhões em despesas para viabilizar o aumento de R$ 3 bilhões para quase R$ 30 bilhões no valor das emendas do relator. Esse aumento criou um desafio para que a execução das despesas obrigatórias fosse feita dentro das regras fiscais, principalmente o teto de gastos, e evitar o crime de responsabilidade. Para resolver esse problema, o governo sancionou o orçamento com vetos parciais correspondentes a R$ 19,8 bilhões de dotações orçamentárias e com o bloqueio adicional, que virá ao longo do ano por meio de decreto, de mais R$ 9 bilhões.
Nos moldes deste orçamento, realizar crédito extraordinário para manter as necessidades de enfrentamento da pandemia fora do teto poderá significar descumprimento da regra de ouro e da meta de primário. Como o governo vai resolver essa equação, num contexto em que já se fala em shutdown dos serviços públicos, será um desafio. Já se pode afirmar que o investimento público no ano de 2021 será pífio, e a retomada econômica será degradante.
Paulo Guedes, o grande bufão dessa péssima peça de ficção, segue contornando a realidade com frases feitas sobre rigor fiscal, recheadas de dogmas econômicos ultrapassados, desqualificando o serviço público brasileiro, vendendo uma falsa austeridade em plena pandemia. Nada ficcional são as projeções da própria OCDE de que nossa economia mergulhará na recessão, ao contrário das demais economias da organização.
Enquanto nos debatemos sobre essa fraude orçamentária, governos no mundo todo falam em planos de infraestrutura de trilhões de dólares e políticas fiscais expansionistas para retirar suas economias do buraco.
No raís real, chamado Brasil, a pandemia não arrefece, a fome e o desemprego aumentam, e fica difícil ver luz no fim do túnel.
*José Guimarães é deputado federal e vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.