Por Carol Proner *
Não é preciso ter o diploma de Direito para entender a razão de maior abrangência da exceção de suspeição. É uma questão de justiça.
O Supremo Tribunal Federal têm sido muito demandado para definir os rumos de importantes questões nacionais. É compreensível que, na crise dos demais poderes, a Corte tenha mais trabalho e seja também muito pressionada.
Amanhã, dia 14 de abril, será um desses dias de pautas históricas.
O julgamento dos recursos da PGR contra a decisão monocrática do ministro Edson Fachin já estava agendado. O colegiado deverá confirmar ou rejeitar a anulação dos processos contra Lula que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba. Posteriormente, e em razão do agravamento da crise de saúde, o presidente Luiz Fux agendou julgamento sobre a instauração da CPI da Pandemia, o que torna a pauta estreita para dois temas fundamentais.
Não há dúvida de que a CPI da Covid tem absoluta prioridade, mas, seja como for, é imperativo que o “Caso Lula” também tenha fim. E tenha fim conforme a Constituição, o Estado Democrático de Direito e o Devido Processo Legal.
Surgiu nos últimos dias a ideia de que uma “reviravolta no colegiado” seria possível, inclusive com a possibilidade de anulação do que fora decidido pela 2ª Turma do STF no julgamento do HC, aquele que reconheceu a parcialidade e a consequente suspeição do ex-juiz Sergio Moro em processos contra Lula.
Pois bem, dois breves comentários sobre isso. Um jurídico e um político (versão completa em artigo com Juarez Tavares publicado no Estadão em 12.04).
Juridicamente, é preciso entender de uma vez por todas a diferença entre exceção de suspeição do juiz e de sua incompetência como juiz em razão “localização geográfica” onde um acusado deve ser processado, a exceção da incompetência de juízo.
O Código de Processo Penal é claro, dispõe expressamente que, em caso da existência de mais de uma exceção (de suspeição e de incompetência), a de suspeição terá preferência a qualquer outra (art. 96 do CPP).
E é fácil entender o dispositivo legal. O que vale aqui é o direito subjetivo do acusado, em um processo penal democrático, de ser processado e julgado por um juiz imparcial.
É simples assim e isso foi o que faltou a Lula desde o início – todos sabemos os descaminhos da Operação Lava Jato – e, além do mais, essa condição de suspeição já foi decidida pelo STF quando do julgamento, pela 2ª Turma, do HC 164.493, de modo que não se pode reescrever ou esquecer a história.
Ao mesmo tempo, e do ponto de vista político, faço uma pergunta que serve como resposta: e já não são suficientes os irreparáveis danos trazidos pela Operação Lava Jato ao acusado, às eleições de 2018 e ao próprio país?
A repercussão de recente matéria do jornal Le Monde mostra a trama internacional da Lava Jato contra os interesses nacionais, algo que já sabíamos e que agora é de compreensão mundial.
Portanto, o que será decidido a partir do dia 14 vai muito além do caso Lula e do direito de participação popular em 2022. O que se discute essencialmente é a restituição do autorrespeito, pelo STF, do Judiciário como poder soberano diante de ofensivas transnacionais de novo tipo.
E do ponto da ordem jurídica, o que se discute fundamentalmente é o não retrocesso a um direito subjetivo e inalienável: o de ser julgado por um juiz imparcial.
O pleno da Corte não é instância recursal em relação à Turma e nem mesmo o colegiado, na sua máxima plenitude, pode reescrever a História: a regra de preferência da suspeição é irretocável e os atos praticados por um juiz suspeito são absolutamente nulos e jamais podem ser aproveitados.
*Carol Proner é advogada, professora da UFRJ, integrante do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.