Por Pablo Holmes *
Desde que o PSDB foi reduzido aos 4% de Geraldo Alckmin nas eleições de 2018, a direita brasileira entrou em uma crise política sem precedentes. Viram-se obrigados a optar no 2° turno entre Fernando Haddad, candidato da esquerda democrática, e Jair Bolsonaro, o candidato de extrema direita defensor da Ditadura Militar. Fizeram sem muita dificuldade a opção pelo capitão destemperado.
Viram, assim, seu eleitorado migrar para a extrema direita, em grande parte como consequência da estratégia irresponsável de demonização do sistema político que adotaram para derrotar o PT. Tornaram-se os maiores derrotados do impeachment irresponsável que promoveram em 2016.
Tantos erros crassos chegavam a parecer burrice. Mas, agora, diante do estrondoso fracasso do governo Bolsonaro, a conduta da direita brasileira se torna ainda mais difícil de se compreender. Não é possível acreditar que seu problema seja apenas uma dificuldade de compreender o processo político.
Desde 2019, o Brasil se tornou pária internacional (com orgulho!, diria o ex-ministro Araújo) e assiste ao pior desempenho na pandemia em todo o mundo. Preços de alimentos e combustíveis disparam. O Real é a moeda que mais se desvalorizou entre todos os países emergentes desde 2019. Vemos diariamente o espetáculo grotesco de um presidente incompetente, desesperado com a perda de popularidade e cujo passatempo se tornou ameaçar a sociedade com golpes de estado.
Diante disso, operadores políticos da direita, algumas empresas de comunicação e seus articulistas alinhados se dedicaram a duas tarefas completamente erráticas.
A primeira consistia em constranger o STF para que não reconhecesse a notória suspeição de Sergio Moro nos processos contra Lula. Providenciaram até mesmo pesquisa de opinião com metodologia suspeita na véspera do julgamento, para pressionar a corte. Nas redes sociais, foram obrigados a reconhecer que Moro foi julgado suspeito, mas insistiam que isso não absolvia Lula (uma contradição evidentemente ridícula). E apontavam como era ruim para a democracia que Lula pudesse ser candidato (mais uma contradição ridícula, afinal, como pode ser ruim para a democracia alguém poder ser candidato nessas condições?).
A segunda tarefa tem sido a de propor uma chuva de candidaturas de direita – embora as chamem de centro – que, segundo eles, evitariam a polarização entre dois extremos. Um extremo seria o presidente de extrema-direita. O outro seria Lula, o ex-presidente que governou com uma ampla aliança com o centro e setores da direita. Quase todos os dias, jornais trazem artigos e matérias apontando a necessidade de uma via “moderada”, noticiando as articulações em torno de candidatos capazes de superar a tal “polarização”.
Derrotada em 2018, a direita insiste em erros parecidos: quer novamente impedir Lula e enfraquecer o PT, para ir ao 2° turno contra Bolsonaro.
Contudo, todos os seus candidatos somados (Mandetta, Moro, Doria e Huck) têm algo entre 15% a 20% das intenções de voto em diferentes pesquisas de opinião (Atlas, IPESPE, IPEC e DataPoder) para o 1° turno das eleições de 2022. Enquanto Lula varia entre 25% e 34%, estando em primeiro lugar em algumas delas. Os eleitores que rejeitam de forma veemente Bolsonaro e Lula somam apenas 19%, segundo o IPEC, o que não garante espaço para a tão sonhada “terceira via”.
É preciso lembrar que o PT obteve o 1° ou o 2° lugar no 1° turno em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização. E, desde 1994, nunca teve menos que 25% dos votos na primeira rodada. Nas últimas eleições, no auge da grande onda antipetista estimulada pela Lava Jato, com Lula preso em Curitiba sem poder fazer campanha, Fernando Haddad obteve 29% dos votos no 1° turno. Como apontou o IPEC (ex-IBOPE), hoje, um em cada três eleitores é um “lulista convicto”.
Ademais, a direita que agora lança Mandetta, Sergio Moro, Luciano Huck e Doria foi responsável pelo impeachment e pelo governo Temer. Está associada à reforma trabalhista que “criaria 6 milhões de empregos” e é rejeitada por mais de 60% da população, além de ter apoiado Bolsonaro no 2° turno em 2018. Como acreditar que o terço lulista do eleitorado, que votou no PT nas últimas oito eleições presidenciais, poderia, de repente, optar por uma tal terceira via de direita? É preciso muita ingenuidade.
O caminho da direita não passa por tirar o PT do 2° turno, mas, sim, Jair Bolsonaro. Foi para ele que o eleitorado de direita migrou. E é desse eleitorado que eles dependem para ir ao 2° turno.
Ao atacar o PT, a direita estimula a lealdade dos eleitores petistas, que já demonstraram rejeitar seus candidatos e rejeitam o governo Temer. E aumenta a lealdade dos eleitores de direita a Bolsonaro, que veem no capitão a única forma de “impedir a volta do PT”.
A única estratégia viável para a direita consistiria em atacar de forma agressiva o governo de Jair Bolsonaro, denunciando sua incompetência e suas mentiras. E, diante do fracasso do governo na pandemia, surgiu uma grande oportunidade. Ela exigiria da direita demonstrar a responsabilidade de Bolsonaro pelas mortes e pela total confusão administrativa.
A maior mentira do bolsonarismo é a de que o STF impediu o presidente de agir, dando todos os poderes aos governadores. Com seu espaço na mídia, não custaria muito à direita desconstruir essa mentira, apontando que a decisão do STF definiu a competência concorrente de União, Estados e Municípios em relação à saúde pública.
A essa altura, não me parece razoável acreditar que tantos erros resultam de mera burrice. A razão parece ser outra. A direita gostaria de recuperar os votos perdidos para a extrema direita. Mas entende que, caso não vá ao 2° turno, terá que optar novamente entre Bolsonaro e uma candidatura de centro-esquerda. Ao poupar Bolsonaro, ela sugere que sua opção não será pelo país, mas será novamente pela morte, pelo autoritarismo e pela incompetência.
*Pablo Holmes é professor na UnB.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.