Por Antonio Lisboa *
A crise humanitária causada pelo novo coronavírus continua a provocar mortes, medo e desesperança. Em todo o mundo, milhões de empregos foram perdidos, precarizando ainda mais os postos de trabalho restantes e aumentando a pobreza, a miséria e a desigualdade econômica e social – sobretudo, entre o norte e o sul global.
Em um dos maiores feitos científicos da história da humanidade, em menos de um ano desde o surgimento da Covid-19, uma série de vacinas foram desenvolvidas e começaram a ser autorizadas por diversas agências e autoridades sanitárias de todo o planeta, dando início, dessa forma, à vacinação em massa. Essa façanha foi fruto do trabalho e da dedicação de milhares de pesquisadores, principalmente em instituições públicas como as universidades e centros de pesquisa. Foi, sobretudo, o financiamento dos Estados nacionais e de organismos multilaterais que possibilitou que essas vacinas fossem produzidas e disponibilizadas em tempo recorde.
No entanto, as vacinas têm sido tratadas como commodities e as grandes empresas multinacionais do ramo farmacêutico – as chamadas Big Pharma’s – vem lucrando bilhões de dólares, enquanto colocam seus interesses comerciais à frente da saúde dos povos. São essas empresas que decidem os preços, os prazos e as condições de entrega das vacinas. Dessa forma, uma minoria de países ricos tem se apropriado da maioria das doses disponíveis, enquanto, no resto do mundo, alguns Estados têm que pagar 2,5 vezes mais pelas mesmas vacinas. Por fim, mesmo no norte global, os laboratórios privados não estão sendo capazes de garantir a produção e distribuição de vacinas com a rapidez prometida. Apesar da vacina ser, segundo a OMS, um "bem comum", a sua privatização está retardando sua distribuição, prologando as perdas em vidas humanas e a crise sanitária e econômica.
Diante desse cenário, a “quebra das patentes” – através dos mecanismos já previstos em legislações nacionais ou até mesmo no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) – é absolutamente imperativo.
O movimento sindical, no Brasil e no mundo, deve apoiar ativamente a proposta apresentada por Índia e África do Sul – e defendida pela ampla maioria dos países do sul global – de suspensão das patentes de produtos de combate ao coronavírus à OMC. Essa ação – combinada com a necessária transferência de tecnologias – vai reduzir o preço das vacinas e acelerar a produção, garantindo que bilhões de pessoas tenham acesso ao imunizante no mesmo ritmo das populações mais ricas, salvando, dessa maneira, milhões de vidas humanas.
Sobre essa questão, Bolsonaro, o maior aliado mundial do vírus, não poderia perder a oportunidade de mais uma vez apoiar a doença em detrimento da vida de milhões de pessoas. Depois de desdenhar da gravidade da Covid-19, incentivar e promover inúmeras aglomerações, defender o uso de remédios que comprovadamente não são eficazes no tratamento da doença, duvidar da eficácia do uso de máscaras e das próprias vacinas – e tanta outras atitudes que contribuíram decisivamente para as mais de 260 mil mortes causadas pelo novo coronavírus em nosso país – Bolsonaro mudou a tradição da nossa diplomacia e, para agradar os países ricos e as grandes empresas do ramo farmacêutico, votou contra a proposta da quebra de patentes no âmbito da OMC.
Uma campanha do movimento sindical internacional em defesa da “quebra das patentes”, irá, inclusive, reforçar nossa histórica luta pela democratização e fortalecimento dos organismos multilaterais. No contexto da pandemia de Covid-19 ficou ainda mais inequívoco a necessidade de soluções globais para os grandes problemas que afligem toda a humanidade.
Democratizar o acesso às vacinas, além de impedir que as desigualdades econômicas e sociais entre os países pobres e ricos se intensifiquem – na medida em que a vacinação em massa é a única solução que pode por fim a pandemia e provocar a aguardada recuperação econômica – também é uma demanda global, pois impediria que a proliferação descontrolada do vírus permita o surgimento de variantes mais letais e contagiantes do vírus – como já aconteceu, por exemplo, na África do Sul, Reino Unido e no Brasil.
Uma campanha pela “quebra das patentes” e pela democratização do acesso às vacinas é uma tarefa urgente. As trabalhadoras e os trabalhadores de todo o mundo anseiam e esperam por “Vacinas para todas e todos”, trabalho decente e proteção social – o tempo para agirmos é agora.
*Antonio Lisboa é Secretário de Relações Internacionais da CUT
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.