Por Bruno Lima Rocha*
Estamos diante de uma nova ofensiva sionista dentro da opinião publicada dos países ocidentais. Ao mesmo tempo, o debate na esfera pública é contaminado pela ação direta e indireta de institutos, redes de influência, empresas de marketing digital e movimentos identitários relacionados aos postulados do Ministério de Assuntos Estratégicos e Diplomacia Pública do Estado Colonial do Apartheid na Palestina Ocupada.
A etapa contemporânea da luta pela libertação de todo o Bilad al-Sham (atuais territórios do Líbano, Palestina, Síria e parte da Jordânia) é marcada pela disputa por “corações e mentes”, principalmente em países onde há uma grande colônia e diáspora árabe (caso brasileiro), ou onde o núcleo central das estruturas de poder é aliado da entidade invasora.
Diante disso, a partir de outubro de 2015, o inimigo orienta seu ministério específico a lutar contra as campanhas de tipo boicote, desinvestimento e sanções (BDS), e também em oposição às bandeiras políticas das forças que lideram a resistência em nossos países de origem.
Segundo o próprio site oficial, as “Responsabilidades do Ministério” são:
“Liderando a campanha contra as ações de deslegitimação anti-Israel e boicote. A formação, inclusão e coordenação de esforços governamentais para o enfrentamento do fenômeno em todas as suas vertentes. Isso inclui diplomacia, consciência, atividade acadêmica, econômica, cultural e jurídica. Inclui orientação profissional aos ministérios do governo em todos os assuntos relacionados às suas atividades relacionadas à campanha, incluindo atividades e eventos em Israel e no exterior, ao mesmo tempo em que fortalece as atividades de órgãos civis que operam no campo. A formação de banco de dados atual e atualizado com foco na construção da infraestrutura de conhecimento da campanha e sua acessibilidade às autoridades competentes. Representar a posição do governo (de Tel Aviv) em relação às campanhas das organizações não governamentais em Israel e ao redor do mundo, e trabalhar com elas para promover os objetivos da campanha e suas estratégias”.
O ministério acima é um complemento das pastas da “Defesa” do Estado invasor e de relações exteriores também. Na guerra de ocupação, assim como as forças alemãs invasoras da França, os ocupantes se esforçam para ilegalizar e perseguir as redes da sociedade civil que apoiam a resistência. Qualquer semelhança com o magistral filme de Costa Gravas, “Sessão especial de Justiça”, não é nenhuma coincidência.
Israel condenada pela Anistia Internacional
Trinta dias antes dessas decisões absurdas de Londres e Camberra, o Ministério da Defesa de Israel classifica como “terrorista” seis ONGs palestinas. Alegam que estas entidades são vinculadas à Frente Popular pela Libertação da Palestina, partido histórico da esquerda palestina, que disputa eleições e postos-chave dentro da pouca institucionalidade permitida pelo ocupante.
Em 22 de outubro, o ministro Benny Gantz – ex-quase premiê ao lado de Bibi Netanyahu – também conhecido como o “carniceiro de Gaza”, criminaliza as seguintes organizações: Addameer (palavra em árabe para “consciência”), al-Haq (palavra para “justiça”, Defesa das Crianças da Palestina (DCI), União dos Comitês de Trabalho Agrícola, Centro Bisan para Pesquisa e Desenvolvimento e Comitê da União das Mulheres Palestinas.
Na frente internacional não é diferente. As operações pró-Apartheid são contínuas e implicam na tentativa de criminalizar os atos e campanhas nacionais a favor das organizações que lideram a resistência árabe (como conjunto de povos árabes invadidos por europeus) contra o belicismo sionista. Vejamos, a seguir, dois casos de novembro de 2021.
Reino Unido e Austrália são braços do anglossionismo
A Austrália é uma colônia de povoamento branco, que fala inglês. Foi “colonizada” pelo Reino Unido (a Grã-Bretanha liderada pela Inglaterra). A frota naval inglesa levou milhares e milhares de camponeses “indesejados”, ex-presidiários em reabilitação, penas comutadas e uma meta: “Povoar” a ilha continente e colocá-la na órbita do mundo anglo-saxão. O mesmo vale para a Nova Zelândia, a irmã mais nova. Camberra e Wellington conformam almas gêmeas cuja alma mater está na potência separada do continente europeu pelo Canal da Mancha, outrora formada por corsários e flibusteiros. No século XXI e em especial após o Brexit, foi alimentada pela canalização da agiotagem mundial.
Não é exagero deste que escreve, mas uma constatação. Junto a Estados Unidos e Canadá, os países anglo-saxões formam o Sistema Cinco Olhos, a aliança incondicional que comuta dados de inteligência e operam instalações conjuntas, como a base de Pine Gap, no “outback”, o equivalente ao sertão australiano – “naturalmente” uma base militar sobre território aborígene invadido.
Em 23 de novembro de 2021, a Ministra dos Assuntos Internos da Austrália, Karen Andrews, afirmou que: “A organização xiita apoiada pelo Irão “continua a ameaçar com ataques terroristas e a apoiar organizações terroristas” e é uma ameaça ‘real’ e credível à Austrália”. O governo de Camberra classificou a totalidade do Hezbollah como “organização terrorista”, comparando o partido líder da resistência libanesa com movimentos neonazistas e supremacistas brancos. A absurda comparação foi feita com um partido político, participante do parlamento do Líbano e sempre com presença em ministérios de seguidos governos.
Já no dia 26 de novembro de 2021, o parlamento britânico aprova a proposta do primeiro ministro do Partido Conservador, Boris Johnson, classificando a integralidade do Hamas como “organização terrorista”. Diante dessa decisão legal, passa a ser crime com penas de até 14 anos, difundir as posições políticas do partido líder da resistência palestina e responsável pela organização do mundo da vida em Gaza, sob o cerco da entidade sionista desde o ano de 2006.
Embora a classificação integral de “terrorista” seja nova, a criminalização da luta e da resistência não é nada nova.
Quem são os terroristas?
Quando um caça israelense bombardeia uma área residencial densamente povoada, pratica um ato terrorista autorizado pelo parlamento do Estado do Apartheid e pelo congresso do Império estadunidense. Quando agentes do Mossad sequestram e assassinam militantes políticos da resistência árabe ao redor do mundo, cometem atos terroristas. Quando a população nativa, composta por famílias que residem no local há milênios, se organiza e busca formas para assegurar suas terras e lares, estão cometendo atos de resistência. Quase sempre, os imperialistas e seus prepostos classificam quem resiste como “terrorista” e a si como “forças da ordem”.
O Reino Unido denominou como “terrorista” ou “bandido” a uma parcela considerável da humanidade, criminalizando todas as organizações que tentaram se livrar do império britânico. A Austrália secundou os Estados Unidos em todas as suas guerras asiáticas – incluindo Afeganistão e Iraque – “caçando” terroristas, justamente quem se organiza para de alguma forma defender suas terras.
Como todo território organizado como “colônia de povoamento” de invasores europeus, a única forma de garantir essa troca de população é promover a limpeza étnica através de seguidos pogroms. Talvez por isso exista tanta consonância entre os gabinetes ingleses, australianos, estadunidenses e sionistas no seu ódio e cinismo aos partidos da resistência dos povos árabes.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio.
*Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em Economia Política, doutor em Ciência Política e professor universitário nos cursos de Relações Internacionais, Jornalismo e Direito. Editor dos canais do “Estratégia & Análise, a análise política para a esquerda mais à esquerda”.
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