Por Verônica Lima *
Estamos terminando mais um novembro negro, um mês em que nos dedicamos ao aquilombamento e ao fortalecimento coletivo das nossas pautas. E aproveitamos esse momento em que todos estão voltados obrigados ou não a falar sobre isso, para denunciar a perversidade do racismo. Mas também dar uma solução. O antídoto? A consciência negra!
Mas o que significa falar em "consciência negra" em 2021, no grave contexto que vivemos no (des)governo Bolsonaro? Quando nós lemos os jornais, acompanhamos a televisão ou mesmo caminhamos nas ruas, rapidamente identificamos que um dos problemas mais urgentes que temos vivido é o aumento da fome. Com um olhar mais atento, há uma segunda constatação: a fome no nosso país tem cor.
Os dados não mentem: nosso país entrou novamente para o mapa da fome e a insegurança alimentar tem chegado a níveis cada vez mais alarmantes. Atualmente, são mais de 19 milhões de brasileiros nessa situação dramática sem que o governo federal tome uma iniciativa.
Aliás, são justamente as políticas de Bolsonaro que têm agravado a nossa crise humanitária. E o que isso tem a ver com o povo negro? Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), os grupos mais afetados pela fome são a população negra, rural e periférica. Uma em cada três residências geridas por pessoas negras vivem em situação de insegurança alimentar (29,8%). Quando olhamos para a população branca, os índices são bastante inferiores (14,4%).
Isso significa que quando nós pensamos em políticas públicas de combate à fome e à desigualdade, precisamos sempre ter em mente a realidade discriminatória da fome. É preciso ter em mente de que o aumento da fome no Brasil faz parte de um projeto de extermínio do povo negro. A fome é projeto! Assim como a violência policial e a péssima gestão da Covid-19, a ausência de políticas para sanar a insegurança alimentar também faz parte da máquina de moer gente preta.
Quando Elza Soares, grande cantora negra, há muitos anos atrás, se apresentou pela primeira vez e, perguntada sobre onde vinha, disse que era do “Planeta Fome”, apontava para uma realidade dramática no Brasil que ao longo dos governos Lula e Dilma nós vimos mudar através de políticas públicas mas que com Bolsonaro, a situação voltou a ser trágica.
Outra grande intelectual negra, a escritora Carolina Maria de Jesus, apontou com firmeza para esse grave contexto com suas obras “Quarto de Despejo” e “Diário de Bitita”. Sua literatura, atravessada pela sua própria vida, narrava as trajetórias de homens e mulheres negras periféricos que lutavam para ter o que comer, sem que nada fosse feito para auxiliá-los. E m sua celebre profecia dizia que o pais precisava ser governado por quem já havia passado fome. E foi isso acontecer para a fome virar pauta prioritária.
A luta antirracista não é apenas voltada contra gestos e palavras que precisam ser retirados do nosso vocabulário e do nosso cotidiano. Trata-se de uma batalha histórica e diária para que o povo negro tenha uma vida digna com oportunidades e direitos garantidos, como previsto na nossa Constituição Federal.
Não podemos naturalizar que as pessoas disputem ossos para se alimentar. Comer é sagrado. Nosso povo precisa de “soberania alimentar”. E isso para nós significa recuperarmos os nossos saberes ancestrais de plantio, colheita e partilha dos alimentos. Recuperar a bandeira do que é prioritário pra vida: nosso sustento. E juntamente com os movimentos sociais e de agricultura familiar pautar todo o sistema alimentar, pautar a reforma agraria e o poderio dos processos em nossas mãos e não no agro negocio. Precisamos (re)construir um Brasil em que a fome não seja manchete diária.
A maior luta antirracista é a luta contra a miséria e a fome. Por isso, é fundamental que as forças progressistas estejam atentas para que possamos voltar aos trilhos dos avanços sociais, barrando as barbáries e os retrocessos desse desgoverno federal.
Pelo fim da fome! Pelo fim do racismo! Fora Bolsonaro!
*Verônica Lima é vereadora de Niterói (RJ) pelo Partido dos Trabalhadores.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.