POR MÔNICA FRANCISCO*
Mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio no Rio de Janeiro. Em 2019, das 85 vítimas no estado, 58 eram negras, ou 68,2% do total. É o que diz o Dossiê Mulher 2020, produzido pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ). Nós que denunciamos a violência todos os dias sabemos disso. Temos a consciência de que esse dado é fruto da intersecção do racismo e machismo estruturais em nossa sociedade. É exatamente por isso que enfatizamos, de forma insistente, a importância de que o recorte racial seja aplicado na análise dos estudos e pesquisas, um caminho fundamental para a criação e efetivação de políticas públicas que combatam a violência de gênero e que tenham ênfase na vida das mulheres negras.
O Dossiê também indica que a maioria das tentativas de estupro (91,8%) e de estupro (86%) foram cometidas contra mulheres, sobretudo meninas e adolescentes. A cada dez vítimas de estupro, sete tinham até 17 anos. E, ainda, que as crianças de até 14 anos são, 65,9%, formam a maior parte das sobreviventes de estupro no estado. Estes pontos nos mostram que a menina do Espírito Santo é apenas a ponta do iceberg que tomamos conhecimento, pois diariamente meninas e adolescentes têm seus direitos e corpos juvenis violados por quem deveria protegê-las. Quem também deveria compor a estrutura de garantia de direitos, o Estado, por vezes está mais empenhado em fomentar fundamentalistas em defesa de suas crenças infundadas.
Os dados do estudo são alarmantes e mostram que 43,8% das mulheres foram mortas por armas de fogo, comprovando que uma sociedade armada agrava a violência. Além das mortes e dos ferimentos físicos, uma violência muitas vezes invisibilizada mas que deixa sequelas profundas é a violência psicológica. São as palavras e abusos que inferiorizam as mulheres, anulando suas potencialidades e minando a sua autoestima. Além de uma forma de violência, a mesma torna-se mais um mecanismo de manutenção das mulheres em relacionamentos abusivos e violentos.
Na CPI do Feminicídio na Alerj– em que ocupei a vice-presidência - foram ouvidos especialistas, vítimas e autoridades de órgãos de atendimento às mulheres. Identificamos que há necessidades, urgentes, de ampliar as informações das mulheres sobre a violência psicológica, para que as mesmas possam identificar essa forma de violência, que muitas vezes é a primeira a ocorrer na violência doméstica. Por isso, criamos o Projeto de Lei 1608/2019. É essencial que a sociedade civil e os diferentes poderes atuem para combater todos os tipos de violência contra nós, mulheres.
As oitivas, análises e comparação de dados realizadas no decorrer da CPI nos permite dizer que a banalização e o descaso com que setores da sociedade tratam a violência de gênero contribuem muito para o aumento dos casos no Rio de Janeiro, quiçá no Brasil todo. Um exemplo, foi a constatação que as sugestões encaminhadas pela CPI de Violência Contra a Mulher de 2015 não tinham sido aplicadas.
Ao concluir os trabalhos da CPI, no final de 2019, apresentamos 126 recomendações a serem empregadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do estado e dos municípios. Nosso compromisso é fiscalizar os equipamentos de atendimentos, cobrando a aplicação das medidas e construindo legislações para erradicar as várias formas de violências contra nós, mulheres.
*Mônica Francisco é deputada estadual e fez parte da CPI do Feminicídio na Alerj
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum