Por Maria do Rosário*
Se há uma área na qual todos sentem quando ocorre uma paralisação é a das comunicações. Mais precisamente, os Correios do Brasil. Portanto, queiramos ou não, a greve dos Correios é um assunto que interfere em nossas vidas e é preciso compreender os motivos da mobilização e, mesmo, debatê-la.
Os trabalhadores dos Correios declararam greve no último dia 17 de agosto por um motivo mais que justo. A direção da empresa procurou o Supremo Tribunal Federal (STF) para cancelar um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) homologado por decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que estava vigente até julho de 2021. Nada mais, nada menos que 70 cláusulas foram invalidadas pela decisão do STF, da noite pro dia, entre as quais o corte de direitos básicos, como auxílio-creche, adicional noturno, licença maternidade e indenização por morte.
A decisão da empresa, dizem seus dirigentes, se justificaria em razão da pandemia. Poderia parecer razoável abrir um diálogo para debater ajustes no Acordo de Trabalho. Poderia, mas a empresa, a pedido do Presidente da República, sequer chamou os trabalhadores para conversar sobre eventuais ajustes. O mais cruel da atitude é que por ser serviço essencial, os funcionários dos Correios em nenhum momento puderam se resguardar em home office, é uma categoria permanentemente exposta ao Coronavírus. Isso por si só já seria o suficiente não apenas para manter o atual ACT, mas inclusive para melhorar este acordo em favor dos trabalhadores.
Você que lê este texto, talvez se pergunte: mas se as receitas das empresas estão diminuindo pela paralisação econômica, não seria justo a decisão do STF para a manutenção da empresa e de sua viabilidade financeira? A resposta é um sonoro não. Porque a despeito do caos instalado pelo desgoverno do país, alguns setores da economia crescerem nesse cenário distópico que estamos vivendo. Um deles é o setor de e-commerce. De acordo com a Folha de São Paulo de 18 de agosto do corrente, o comércio eletrônico aumentou em 25% no país no primeiro semestre deste ano. Isso, apesar da tragédia em vidas ceifadas pela pandemia e incompetência governamental, refletiu-se positivamente nas contas da empresa. Segundo dados da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios, apenas nos primeiros seis meses de 2020 o lucro dos Correios foi de R$ 460 milhões! Então por que penalizar a categoria?
Finalmente, se você acha que estamos falando de “servidores privilegiados” (como os detratores do que é público gostam de afirmar) assim como profissionais da saúde, policiais e professores, a base dos trabalhadores dos Correios tem salários modestos. Falei com um trabalhador com 20 anos de empresa que recebe, hoje, cerca de R$ 2.400,00. Ele teve seu vale-alimentação diminuído em R$ 200,00 e com o fim de verbas remuneratórias que serão extintas pela Direção da Empresa, terá seus vencimentos reduzidos para apenas R$ 1.600,00.
Em resumo, a greve foi deflagrada em um contexto onde a empresa está tendo maiores ganhos enquanto seus funcionários estão mais expostos a uma doença que pode ser fatal. A determinação da empresa em sustar o acordo coletivo é, no mínimo, duvidosa. A propósito, sabe-se que em matéria de direito trabalhista, em momentos de dúvida, deveria a justiça decidir pelos trabalhadores. Mas não sejamos ingênuos. Este movimento da direção da empresa não faz parte de nenhuma zona cinzenta jurídica. Pelo contrário. Insere-se no desejo obsceno deste governo por privatizações, destruição de direitos e rebaixamento do Brasil aos interesses das grandes finanças internacionais. A greve é legítima e também defende nossa soberania. Não se deixe enganar, seja sensível aos motivos que levaram à greve.
*Maria do Rosário é deputada federal, mestre em educação e doutora em ciência política pela UFRGS