Por José Barbosa Jr
Terminei, ainda há pouco, aos prantos, a releitura de “Brasil: Nunca Mais”, livro que ontem, 15/07, completou 35 anos de lançamento. Um Livro que é mais que isso, é como um portal a uma outra dimensão: você mergulha em mais de 1 milhão (isso mesmo, UM MILHÃO) de páginas analisadas e pesquisadas durante 6 anos por uma equipe de especialistas num projeto iconicamente criado por um padre, um pastor e um rabino.
Meu primeiro contato com o livro-portal se deu quando eu tinha 16 anos. Você nunca mais é o mesmo depois de uma leitura dessas. A luta de Dom Paulo Evaristo Arns, do pastor presbiteriano Jaime Wright e do rabino Henry Sobel, juntamente ao Conselho Mundial de Igrejas, que ajudou na catalogação e segurança desses documentos fora do Brasil, é uma luta que traz à tona uma das páginas mais cruéis e desumanas de nossa história: a Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985 e seus métodos de tortura.
Porém, o que mais me choca ao reler o livro, não é tanto a crueldade do passado (o que em si já é estarrecedor), mas a possibilidade e a “celebração” de que essa história seja novamente vivida e desejada em nossos dias. Trechos do livro saltam-me aos olhos como se fossem uma denúncia, não daqueles tempos terríveis, mas do que podemos esperar dos dias atuais.
Costumo dizer que nossa frágil democracia levou seu golpe fatal quando o então deputado Jair Bolsonaro, ao declarar seu voto no golpe imposto à presidenta Dilma Rousseff, fez um elogio público e oficial a um dos maiores torturadores dessa era de sombras da nossa história, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, nas palavras do atual presidente, “o terror de Dilma Rousseff”. Bolsonaro deveria sair daquele plenário preso, e ter todos os seus direitos cassados. Foi uma declaração não somente contra Dilma, foi uma declaração de guerra à humanidade. Ali estava exposta a nossa democracia. Os 30 anos dessa frágil história de libertação da Ditadura foram jogados no lixo.
Mas há algo que me espanta ainda mais em todo esse processo perverso e insano: o apoio dos religiosos. E aqui parece, infelizmente, não escapar quase ninguém: de católicos a evangélicos, de espíritas kardecistas a umbandistas… gentes que deveriam lutar e erguer a voz contra as opressões, desumanidades, torturas, violências das mais variadas aliaram-se ao que há de pior na história política brasileira.
Não há desculpas para quem, em nome da fé, faz “sinal de arminha” com a mão e defende um ser que exalta torturadores que enfiavam ratos e baratas nas vaginas e ânus das pessoas torturadas, que eletrocutavam os órgãos genitais dos presos e presas, que expunham crianças a esses momentos de degradação e perversão, de estupradores e carrascos que introduziam objetos os mais diversos em seres humanos, nesses momentos totalmente aviltados em sua dignidade.
Igrejas e líderes religiosos que apoiam o governo Bolsonaro têm a obrigação de vir à público pedindo perdão por seu apoio à toda essa insanidade, perversidade e desumanidade. E não é um caso de “opção”. Não há espaço para nenhuma menção do Cristo, dos Orixás, dos Espíritos ou seja lá do que ou quem forem em espaços que coadunem com a opressão e a violência.
As páginas infelizes de nossa história trazem e trarão os nomes de todos aqueles que torturaram e defenderam torturadores. Seus nomes e suas mãos estarão sempre sujas de sangue. De muito sangue.
Brasil, esse do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”: Nunca Mais!
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.