30 anos do ECA: O estatuto ta aí, só falta cumprir; por Mônica Francisco

"Crianças e adolescentes são as mais vitimadas por todas as formas de violências. Em termos de políticas estamos longe de alcançarmos níveis condizentes com a colocação do país no ranking das economias mundiais"

Foto: Arquivo pessoal
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Por Mônica Francisco*

A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 13 de julho de 1990, através da Lei Federal 8069/90, insere o Brasil no grupo de países que assumem o compromisso prioritário com suas infâncias e juventudes.

Vivíamos, até então, regidos pelo Código de Menores, Decretos nºs 5.083 de 01/12/1926, 17.943 de 12/10/1927 e as Leis nºs 4.655 de 02/06/1965, 5.258 de 10/04/1967, 5.439 de 22/05/1968 e 6.697 de 10/10/1979. É necessário e importante observar que entre o intervalo do último decreto da Velha República, no Estado Novo e a primeira lei do período da Ditadura Civil-militar há um intervalo de 38 anos.

Os órgãos governamentais criados neste período (SAM – Serviço de Assistência ao Menor e FUNABEM – Fundação Nacional de Bem Estar do Menor) seguiam a doutrina da “ situação irregular”. Esta doutrina considerava a situação de pobreza, entre outras, uma prerrogativa para o Estado, através do Poder Judiciário, assumir a tutela de crianças e adolescentes com a destituição do pátrio poder, isto é, retirava, em várias ocasiões de forma traumática, crianças do ambiente familiar.

A partir de meados da década de 70 e início da década de 80 do século passado, cresce, em paralelo à luta pela Anistia Política, redemocratização e eleições diretas para cargos executivos, principalmente para a Presidência da República, um movimento capitaneado por educadores e educadoras sociais, ex-internos e internas da FUNABEM, OAB, CNBB – através das Comunidades Eclesiais de Base, entre outras organizações da sociedade civil, um movimento de âmbito internacional em defesa de direitos humanos para crianças e adolescentes.

Estes grupos foram fundamentais nas mobilizações da sociedade civil para coleta de assinaturas para proposições de leis que beneficiassem os grupos vulneráveis na Assembleia Nacional Constituinte: as emendas de iniciativas populares com as assinaturas de milhares de pessoas que possuíssem título eleitoral. O artigo 227 da Constituição Federal é fruto desta mobilização.
O Estado Brasileiro, no bojo do processo de redemocratização, muito criticado nos fóruns internacionais em defesa dos direitos humanos, em consonância com A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adere aos tratados internacionais de defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

A partir da regulamentação do artigo 227 da Constituição Federal, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente e sua promulgação, isto é, a assinatura pelo Presidente da República em exercício, Fernando Collor de Mello, deu-se no dia 13 de julho de 1990: LEI Nº 8.069/90.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 4º, determina que: “ É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Nestes trinta anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente constatamos, diariamente, as mais diversas formas de violações e negligências. Crianças e adolescentes são as mais vitimadas por todas as formas de violências. Em termos de políticas estamos longe de alcançarmos níveis condizentes com a colocação do país no ranking das economias mundiais. Temos um dos maiores índices de desigualdade sociais no mundo, atingindo sobretudo a população negra e indígena, com claro recorte de raça.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado o dispositivo legal mais avançado por especialistas da área da infância e adolescência.
Dizem os opositores do Estatuto que esta é uma lei muito avançada para a realidade brasileira. A estas pessoas respondemos: Mudemos a realidade para cumprirmos a lei.

Trinta anos de Estatuto da Criança e do Adolescente e temos que repetir o grito de crianças, adolescentes, educadores e educadoras sociais, juristas, profissionais liberais e representantes de todos os estados brasileiros, em Brasília no ano de 1992.

“O ESTATUTO TAÍ, SÓ FALTA CUMPRIR!”

*Mônica Francisco é deputada estadual no Rio de Janeiro e ativista de Direitos Humanos com atuação na defesa de crianças e adolescentes

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.