Todos os setores da economia, de alguma forma, sofreram impacto por conta da pandemia. Alguns mais, outros menos, no entanto, não há nenhum profissional que não tenha sentido seu cotidiano se transformar repentinamente. Entre os segmentos que mais sentiram mudanças drásticas está o de produtores rurais, especialmente, os organizados em cooperativas. Antes desta crise, sua lucratividade estava diretamente ligada às vendas aos restaurantes e grandes atacadistas ou às feiras livres.
Hoje, essa demanda diminuiu consideravelmente. Isso se dá por conta de dois fatores: o primeiro é a redução nas vendas dos estabelecimentos gastronômicos, muitos estão hoje trabalhando apenas por delivery, portanto, há um gasto menor com ingredientes. O segundo é o fato de que a população não está frequentando, com a mesma regularidade, as feiras livres. Muitas pessoas estão comprando de forma mais planejada para garantir a durabilidade dos alimentos e evitar saídas desnecessárias. Além disso, estamos observando um aumento na venda de industrializados nos supermercados, já que muitos não se sentem tão confortáveis em comprar alimentos que ficam expostos, como é o caso de frutas, verduras e legumes, e acabam optando por adquirir produtos embalados e mais práticos de higienizar ou de armazenar.
Portanto, este cenário interfere notavelmente no dia a dia dos pequenos produtores agrícolas. No primeiro semestre deste ano, o governo federal anunciou um pacote de medidas econômicas para minimizar as dificuldades do setor. Dentre elas, destaca-se a prorrogação do parcelamento dos financiamentos de custeio e de investimentos vencidos e não pagos. Para as cooperativas de agricultores familiares, a taxa de juros será de 6% ao ano, com prazo de pagamento de 240 dias. Também foi criada uma linha de crédito para assegurar pequenas despesas na propriedade, reestruturação da produção, custeio da atividade e a manutenção do produtor e sua família. O limite para cada trabalhador será de R$ 20 mil, com taxas de juros anuais de 4,6%. Essas ações aconteceram depois de muita pressão dos agricultores e das cooperativas.
Outra iniciativa muito importante neste momento, não veio do governo, mas sim de pesquisadores ligados à Universidade de São Paulo, que criaram um aplicativo para auxiliar os agricultores - por conta de uma competição promovida pela USP São Carlos. A ideia foi aproximá-los dos restaurantes, evitando o desperdício de alimentos e modernizando o campo. Nomeada de Hort-e, a plataforma, desenvolvida por um grupo de pesquisadores de São Carlos, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Itatiba, faz a interlocução entre clientes e produtores e facilita a logística para ambos (que é feita de maneira inteligente e tecnológica). Ela organiza a demanda dos estabelecimentos gastronômicos, que precisam de produtos frescos, e aciona um pequeno produtor cadastrado que possa fazer a entrega. Uma notícia promissora que traz alento para toda a cadeia produtiva, sobretudo para as cooperativas de agricultores. É também um exemplo da efetivação da economia criativa no campo.
Inovações como essas são maneiras de aplicar a economia criativa no meio rural, visto que seu principal objetivo no segmento é otimizar a sustentabilidade ambiental e, desta forma, promover a sustentabilidade social. E o incentivo à inovação no campo é fundamental para estimular a economia criativa a trazer soluções para a área, criando mais condições para seu desenvolvimento.
O cooperativismo rural no fortalecimento da dignidade do pequeno agricultor
Uma grande alternativa para aqueles que querem ganhar o mercado de trabalho ou para achar novos espaços ou para se reinserir no mercado: este é cooperativismo. Por conta da atual pandemia, a organização em cooperativas tem se tornado mais necessária ainda, especialmente, num momento no qual as pessoas estão sofrendo com diversas ausências: de emprego, de dinheiro, de educação adequada para as crianças e de respeito pelas condições justas para as mulheres continuarem a exercer suas atividades profissionais etc.
Para alguns setores como a agricultura, desde o século XX, a automatização da indústria eliminou muitos postos de trabalho e a organização em cooperativas tornou-se uma forma viável de oferecer mão de obra ao segmento, com mais produtividade e menor custo. É também uma solução de sobrevivência e qualidade de vida no campo e na cidade. Historicamente também, por volta do ano de 1844, o cooperativismo de trabalho foi uma das soluções para o desemprego. A cooperativa permite uma clareza com a legitimidade de contratos entre empregado e empregador, com efeitos positivos em diversos aspectos, pois cria-se uma mão de obra mais qualificada, dignidade e reconhecimento de direitos sociais para o trabalhador.
Um exemplo é a Cooperaca, cooperativa de produtores da agricultura familiar do interior de São Paulo (localizada entre as cidades de Americana e Nova Odessa), com foco em produtos orgânicos. Há cinco anos, contava com 34 associados das cidades próximas e faziam entregas para o PNAE – Programa de Alimentação Escolar, PAA – programa de aquisição de alimentos e CONAB – Companhia Nacional. A cooperativa além do doar alimentos, vendia para as comunidades locais e empregava pessoas da região. Uma forma de incentivar a permanência de jovens no campo e de destacar o papel social do agricultor.
A função desse tipo de associação é chegar em uma comunidade ou grupo para melhorar a condição de vida, resolver ausências de produtos, falta de acesso a serviços, problemas de locomoção e comunicação e outros problemas sociais. Segundo a ONU, 1 bilhão de pessoas estão ligadas ao cooperativismo em todos os continentes. Como filosofia de vida, prega a participação democrática, a solidariedade, a independência e a autonomia. Valores que fazem parte do ser humano, desde a antiguidade. A origem do corporativismo organizado, tal como é hoje, é de 1884: a primeira cooperativa do mundo foi fundada por vinte e oito tecelões na cidade de Rochdale, na Inglaterra. O país no século XIX foi reconhecido como um exemplo de cooperação solidária, cujos princípios eram a autoajuda, autoresponsabilidade e igualdade de decisões.
Atualmente no Brasil, há 13 setores principais cujas cooperativas são bastante atuantes, entre elas, estão: educação, agronegócio, financeiro, saúde e mineração. No entanto, há milhares de grupos, de diversas classes sociais se reunindo e se organizando para reivindicar melhores condições e formando iniciativas muito positivas. Eles devem ser incentivados, sempre. Reforço que são sete os princípios do cooperativismo:
- Adesão voluntária e livre;
- Gestão democrática;
- Participação econômica dos membros;
- Autonomia e independência;
- Educação, formação e informação;
- Intercooperação;
- Interesse pela comunidade
As cooperativas unem os pequenos produtores e os fortalecem. Fazem com que se venda mais, de maneira sustentável, criando elos sociais importantíssimos e transformando a vida do agricultor e de suas famílias. É uma estratégia de negócios que possibilita melhores negociações e vai além ao acessar mercados que um pequeno agricultor isolado dificilmente acessaria. Um diferencial que tira o agricultor familiar da margem, faz com que ganhe voz e ganhe vez. As cooperativas rurais incentivam ainda o desenvolvimento de políticas públicas com foco social. O caminho para a agricultura familiar é a união e é, por meio dela, que se traçam novas possibilidades tantos no segmento público tanto no privado.
*Ana Beatriz Prudente é ativista pelo empoderamento do pequeno produtor rural, educadora de agrossustentabilidade e gestora de Economia Criativa nos meios rural e urbano.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.