Por Luna Brandão*
Vivemos um momento histórico da vida nacional, que passa pela discussão de qual sociedade estamos vivendo, e qual queremos construir. A esquerda tem um papel importantíssimo nesse momento e deve estar à altura para cumpri-lo: derrubar Bolsonaro, como pressuposto para a manutenção de liberdades democráticas, e propor saídas para as crises política, econômica e sanitária. Essa tarefa não é fácil e passa, necessariamente, por ouvir o povo e suas demandas.
Temos vivenciado um genocídio praticado pelo governo Bolsonaro e seus aliados. Desde o início da pandemia da Covid-19, o presidente desdenha do vírus que atualmente mata mais de mil pessoas diariamente. Como se não bastassem suas falas preconceituosas e levianas de que o povo brasileiro “vive até no esgoto” e o fato de que o país não tem um Ministro da Saúde, Bolsonaro agora tenta esconder dados da pandemia, o que não é apenas um crime de sonegação de informação pública, como um entrave para a construção de qualquer política pública de combate ao vírus.
Vivemos em um país com um gigantesco abismo social, que só se aprofunda com a crise. Para a maioria das trabalhadoras e dos trabalhadores que moram nas periferias, que estão submetidos à informalidade ou que se encontram desempregados, a quarentena, lamentavelmente, nunca existiu na prática. A falta de apoio por parte do Estado acaba obrigando grande parte da população a sair de casa para tentar garantir o mínimo para a sobrevivência de suas famílias.
A solidariedade definitivamente não é um valor abraçado pelo sistema no qual estamos vivendo. Bolsonaro incentiva que a população encontre saídas individuais para as crises impostas, enquanto esvazia a responsabilidade do Estado em garantir assistência social, sanitária e econômica para a população em situação de vulnerabilidade. Cabia ao governo ter agido pela manutenção dos empregos, ter suspendido a cobrança de alguns tributos e serviços essenciais, ter garantido a chegada de um auxílio mais robusto a todos, ter apoiado e aberto crédito a pequenas e médias empresas, dentre tantas outras medidas que tornariam muito mais fácil o respeito ao isolamento. Para não adotá-las, o bolsonarismo constrói a narrativa de que o vírus é irrelevante e promove o morticínio. A postura de Bolsonaro é criminosa e pressupõe escolher entre quem vive e quem morre.
Além disso, Bolsonaro tem dado todos os sinais de que, além do coronavírus, a população ainda tem que lutar contra um outro vírus: o fascismo. Seu projeto político de caráter autoritário, racista e neoliberal vem corroendo nossa democracia. É preciso urgentemente parar o governo Bolsonaro. Temos um presidente que incentiva o armamento da população, que quer transformar a PF em polícia política, que chama os manifestantes pró-democracia de terroristas e afirma que no Brasil não é difícil instaurar uma ditadura. Nossa democracia, ainda que frágil, corre grande perigo, que não pode ser subestimado.
O movimento negro nos ensina que a defesa do antifascismo está intimamente vinculada à defesa de uma sociedade antirracista. Nas últimas semanas, em diversos países temos visto levantes antirracistas. Esse movimento se intensifica na sociedade brasileira na semana em que Miguel, um menino negro de cinco anos, morreu ao cair do nono andar de um prédio de luxo. Ele acompanhava a sua mãe, empregada doméstica, que foi obrigada a trabalhar em plena pandemia. Miguel deveria ter ficado sob os cuidados da patroa, enquanto sua mãe passeava com os cachorros. O fato de sua vida ter menor valor aos olhos da patroa branca não é um caso isolado. É parte de uma estrutura social extremamente desigual que tem o racismo estrutural como um de seus alicerces.
É por todos esses motivos que, com todos os cuidados, vamos às ruas.
Acredito que as forças democráticas devem se organizar e aderir aos atos, como já têm feito as torcidas organizadas, o movimento negro, a juventude e movimentos antifascistas de entregadores de aplicativos por delivery — que nunca tiveram as condições de poder aderir à quarentena.
Os atos em defesa da democracia, contra o racismo, o fascismo e o genocídio bolsonarista têm muita importância nesse momento. É através da mobilização popular que teremos forças para derrubar Bolsonaro e voltar a garantir o mínimo para a população, que é o direito à vida. A História já nos mostrou que a falta de organização das forças democráticas pode levar ao avanço do autoritarismo e de regimes fascistas.
É preciso, claro, agir com segurança e responsabilidade, características que nos diferem dos bolsonaristas. Os atos do último domingo provaram que é possível protestar com as precauções necessárias: vimos a distribuição de máscaras, frascos de álcool em gel e o respeito ao distanciamento. E é dever dos organizadores e manifestantes garantir adesão máxima aos cuidados necessários. É claro, também, que todos aqueles que são grupo de risco ou que convivem com pessoas do grupo de risco devem manter o isolamento e ser convocados a manifestar em suas janelas, com cartazes, gritos e panelas.
A mobilização e a resistência são serviços essenciais quando a democracia está sob ameaça. É impossível combater a pandemia e preservar a democracia sem derrubar Bolsonaro. E é impossível derrubar Bolsonaro sem mobilização popular.
Por isso vamos às ruas. Por todos os brasileiros e brasileiras que nunca puderam aderir à quarentena e continuam saindo de casa como única opção para garantir o sustento às famílias. Por um país mais solidário e menos desigual social, racial e economicamente. Por saúde para todos e todas. Pelo fim do autoritarismo e do governo Bolsonaro. Pela democracia.
*Luna Brandão é cientista política de formação e feminista com convicção. É educadora popular e coordena a rede de cursinhos populares Elza Soares. Está nas redes como @lunapramudarsp
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.