Por Jair Tatto*
A cidade de São Paulo é a mais populosa do país. Com 12,2 milhões de habitantes, concentra uma produção cultural diversa e de altíssima qualidade, é um dos mais importantes centros econômicos do planeta, além de um dos principais destinos turísticos do país. Há um intenso vai e vem de seus habitantes para todos os lados do mundo e uma multidão de indivíduos dos mais diferentes locais do globo para São Paulo.
Não surpreende, portanto, ter sido registrado aqui o primeiro caso de Covid-19 no final de fevereiro. Também não é de surpreender que a cidade tenha se transformado rapidamente no epicentro da pandemia no país.
Apesar das características cosmopolitas e grandiosas que os habitantes de São Paulo costumam elencar em exaltação à cidade, todos sabemos que padecemos de inúmeras mazelas. Algumas estruturais, históricas, outras nem tanto.
Por aqui as desigualdades também são desmedidas e se expressam de inúmeras maneiras, diariamente em suas ruas, praças, becos e quebradas das periferias da cidade.
Conforme levantamento realizado pela prefeitura e divulgado em janeiro último, a população em situação de rua passou de cerca de 15 mil em 2015 para aproximadamente 25 mil em 2019, um crescimento de 53% no período. Segundo estimativas de organizações de apoio e assistência social, o número de pessoas em situação de rua pode ser superior a 33 mil.
Outras milhares de pessoas vivem em cortiços e ocupações espalhadas pela cidade.
Nossa cidade é recordista em favelas no Brasil. São 1.715 ocupações cadastradas pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Estima-se que elas comportam cerca de 400 mil domicílios e mais de dois milhões de moradores, equivalente a 11% da população da cidade. As maiores e mais conhecidas são as comunidades de Paraisópolis e Heliópolis, ambas na Zona Sul, com aproximadamente 14 mil residências e população estimada de 100 mil pessoas em cada uma.
O desemprego é recorde, e afeta diretamente essas pessoas que em grande parte conseguem alguma renda com trabalho informal e bicos.
A gravíssima crise sanitária provocada pela Covid-19 encontra essas populações em extrema vulnerabilidade. Alguns direitos tiveram uma cobertura melhor em anos recentes, mas historicamente nunca foram plenamente atendidos. Garantias como moradia, alimentação, educação, saúde, saneamento e emprego, historicamente com pouca acessibilidade, passaram a ser simplesmente negados ou suprimidos nos tempos atuais.
Poucas vezes a chamada “mão invisível” do mercado foi tão visível, ligeira e eficaz na anulação de direitos coletivos em nome desse mesmo ineficiente e criminoso mercado.
Diversas pesquisas têm apontado que que a Covid-19 avança em disparada sobre as comunidades mais pobres e populosas. Diante disso, a reação de muitas pessoas - inclusive autoridades - é mais uma vez, imputar à vítima a reponsabilidade pela tragédia. Quando a causa do problema são - mais uma vez - as gritantes desigualdades e a quase absoluta ausência de assistência à saúde nessas localidades.
Até onde se sabe a única estratégia eficaz para combater a rápida disseminação do Coronavírus, é o distanciamento social e isolamento para quem apresenta os sintomas, e cuidados simples como a higienização pessoal frequente.
Para boa parte das populações das periferias e quebradas a adesão à essas medidas é simplesmente inviável.
Como se distanciar quando o sistema de transporte obriga os cidadãos a se amontoarem, e quando se reside em habitações minúsculas compartilhadas com grande número várias pessoas e localizadas em comunidades onde raramente a água é artigo de luxo que raramente chega sem intermitência?
Felizmente, apesar das más notícias - mais uma vez - a sabedoria e a solidariedade das populações pobres que vivem nas periferias e quebradas se manifesta com força. Para quem vive e conhece essas pessoas e esses territórios isso não é novidade, já que faz parte do modo de vida e das indispensáveis estratégias de sobrevivência. Nesse sentido, é notável a capacidade de mobilização e organização dessas comunidades e as comoventes lições de solidariedade.
Os inúmeros problemas do nosso país e da nossa cidade estão mais uma vez expostos. Também está escancarado que não passa de uma grande farsa as afirmações (milhões de vezes repetidas) sobre pretensa competência do mercado e a “necessidade” de redução da presença do estado.
Que tenhamos, em breve, oportunidade, capacidade, serenidade e competência para repensar e reorganizar nossa sociedade e especial nossa cidade sobre bases solidárias e muito menos desiguais.
*Jair Tatto é vereador (PT) na cidade de São Paulo e vice-presidente da Comissão de Educação Cultura e Esportes.
*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.