Por Leandro Chemalle*
Muito tem se falado sobre os problemas e as dificuldades de acesso e adaptação dos estudantes ao ensino a distância principalmente nas escolas do ensino fundamental e médio e sobre as soluções questionáveis apresentadas pelas Secretarias de Educação. No entanto pouco tem sido falado sobre a realidade dos cursos de graduação nas universidades públicas e privadas e nesse texto vamos nos focar nesse cenário e explanar um pouco sobre a responsabilidade da representação estudantil nesse debate. Ao final indico medidas urgenciais a serem tomadas para cada nível de representação dos estudantes.
Se por um lado o caos universitário causado com as quarentenas obrigatórias e a suspensão de aulas em virtude da pandemia da COVID-19 carece de coordenação do governo federal no âmbito do Ministério da Educação no lado estudantil os discentes especialmente de graduação também seguem a deriva sem uma orientação técnica da UNE, UEEs, Executivas e Federações de cursos para os DCEs e Centros Acadêmicos sobre como avaliar, como planejar, como se posicionar e como minimizar os prejuízos em relação a imposição do Ensino à Distância (EAD) que se deve se consolidar como o 'novo normal' das universidades não apenas nesse semestre mas por algum tempo. É o que afirma o biólogo Átila Iamarino, uma das vozes de maior credibilidade no país desde o começo deste surto.
Historicamente, o Movimento Estudantil (ME) sempre fugiu da discussão sobre EAD e em geral se absteve de tirar posições embasadas sobre o assunto. Também é comum a confusão entre a EAD aplicada em cursos presenciais e a EAD como modalidade de formação com estudantes matriculados em pólos de apoio e com ensino mediado por tutores. Em especial, a EAD nos cursos presenciais é mais aplicada em algumas disciplinas específicas, como de recuperação, seja no mal uso por docentes em disciplinas presenciais apenas como repositório de PDFs e PPTs sem nenhuma didática.
Nos Congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e Uniões Estaduais dos Estudantes (UEE) a mais de 10 anos NUNCA FOI VOTADA UMA POSIÇÃO SEQUER sobre Educação à Distância (e suas diversas variações) e isso se reflete na inabilidade dos representantes estudantis em saber opinar também de forma técnica sobre os modelos de EAD que tem sido propostos.
Também é importante lembrar que a UNE em 2007 criou a Diretoria de Inclusão Digital que tinha no seu escopo também a discussão sobre tecnologias educacionais e portanto, EAD. Ao longo dessa década o que vimos no movimento estudantil foram as forças que compõe a UNE decidirem IGNORAR uma diretoria estatutária e a possibilidade de indicação de estudantes para ocupar a função. Isso se repete há 5 gestões. Em 2011 no 10º Congresso da UEE-SP foi criada em resolução consensual de Movimento Estudantil a Diretoria de Educação à Distância no pleno da UEE-SP, resolução essa lida pelo presidente da entidade na época, Augusto Chagas. Incrivelmente, passadas 4 eleições, as forças que disputam e compõe os congressos da União Estadual dos Estudantes de SP também decidiram de forma consensual IGNORAR E NÃO INDICAR nenhum estudante de seus movimentos para essa diretoria.
Apesar da existência da Diretoria de Inclusão Digital na UNE, também é importante citar a rejeição praticamente consensual de todas forças políticas que disputam os Congressos da UNE em criar uma diretoria específica de Educação à Distância, mesmo com a entidade tendo 85 diretores com temáticas que representam todo tipo de minorias da sociedade, o movimento deixa essa “minoria estudantil” sendo ignorada em sua composição.
Enquanto isso, nas universidades...
Com o passar dos anos se tornou cada vez mais presente a imposição de disciplinas a distância nos cursos presenciais, e especialmente nas universidades privadas, com grande rejeição dos estudantes. Já a realidade dos estudantes dos cursos totalmente EAD nos polos continuava sendo ignorada e até confundida com a EAD dos cursos presenciais pelas entidades gerais. Na última década, a quantidade de matrículas nessa modalidade cresceu muito, chegando provavelmente a mais de 30% do total de estudantes regularmente matriculados em cursos regulares de graduação no país. Se hoje questionarmos sobre a quantidade de estudantes regularmente matriculados em cursos EAD e que compõe as diretorias plenas da UNE, das UEEs e das Executivas e Federações a resposta mais comum é: nenhum.
De repente todas universidades suspenderam as aulas e passaram a discutir a implementação imediata de atividades remotas. 63 Universidades Federais suspenderam as aulas por tempo indeterminado e algumas passaram a implantar variações de EAD e o que foi denominado pelo professor Romero Tori autor do livre “Educação sem Distância” como ERE - Ensino Remoto Emergencial. Este ERE não pode ser confundido com o que tradicionalmente era chamado de EAD, nem nas disciplinas dos cursos presenciais nem no ensino estruturado. O ERE tem ocorrido com regras e formatos totalmente aleatórios, com docentes sem experiência em ministrar e organizar cursos a distância e, em geral, procurando 'vomitar' todo conteúdo que seria dado em aulas presencias durante as atividades remotas.
Ocorre que o mesmo Átila também afirma que não temos a informação de quando as quarentenas serão suspensas e quando poderemos ter salas com 60, 100 alunos novamente nas universidades. Mas, desde o começo do surto, Átila afirma que provavelmente o retorno das aulas presenciais não ocorrerá no Brasil ao longo do ano de 2020. Apesar disso, as universidades, em seus conselhos superiores, optaram apenas por soluções emergenciais a toque de caixa, e em horas de reuniões com dezenas de docentes, alunos e servidores pouco foi falado sobre o médio e longo prazo das atividades presenciais.
As universidades terão de se confrontar nas próximas semanas com essa realidade e decidir como será o retorno de suas atividades. E, à distância, os estudantes precisarão discutir, analisar documentos e se posicionar sobre o futuro próximo de seus cursos. Tradicionalmente, o movimento estudantil também sempre foi avesso a todo tipo de consulta e votações on-line, sempre preso ao chamado assembleismo. Com isso nenhum DCE tem condições de consultar os seus representados durante o recesso. E a própria UNE não tem até hoje nenhuma iniciativa de consultar de forma remota (com direito a voto) as suas entidades filiadas de forma institucional e não apenas via suas correntes políticas.
O que podemos aproveitar dos cursos que já são à distância?
A UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) recebeu em 2020 o ingresso de 16.000 novos estudantes matriculados em 350 Polos, localizados em quase 300 cidades do estado em 2 eixos (Licenciaturas e Computação) organizados em formato de Bacharelado Interdisciplinar. Mesmo em cursos regulares já estruturados na modalidade EAD a pandemia trouxe mudanças e adaptações. As provas finais de bimestres sempre foram presenciais realizadas em cada polo de apoio presencial. Com isso, a UNIVESP desenvolveu um sistema para que as provas fossem realizadas a distância com todos alunos no mesmo horário. A experiência foi aprovada pela maior parte dos alunos apesar de alguns problemas sérios de acessibilidade (como a exigência de digitalizar ou fotografar respostas feitas em papel a caneta e realizar o upload das respostas no sistema da universidade). A discussão sobre a dificuldade de acesso dos estudantes também esteve presente e até hoje (as provas foram realizadas na primeira semana de maio) a UNIVESP não divulgou o índice de presença dos alunos que efetivamente conseguiram fazer as provas dessa forma.
Para quem estuda em cursos presenciais, o dado mais importante a ser observado nos cursos que são estruturados para serem oferecidos a distância é a forma de avaliação. Os cursos EAD raramente avaliam o aluno apenas com a nota de uma prova final. No modelo da UNIVESP e da maioria das universidades a nota costuma ser dividida em 40% para exercícios entregues ao longo das semanas de curso e 60% para a prova final presencial, obedecendo resolução do MEC que exige que a maior parte da nota seja obtida em atividades presenciais. Estudantes desses cursos discutem a mudança desses pesos das notas em uma realidade de avaliação 100% a distância, estando sozinhos nesse debate, sem poder contar com nenhuma entidade de estudantes que os represente.
A quantidade de horas-aulas e/ou conteúdos que um estudante universitário consegue assimilar durante a realização de um semestre à distância também é muito importante. É comum as universidades dividirem o semestre em módulos de forma que os alunos não tenham mais do que 3 ou 4 disciplinas simultâneas. Sabendo que é comum, nos cursos presenciais, os estudantes se matricularem em até 10 disciplinas (acumulando 40, 44 horas-aula por semana) no mesmo período levar todo esse conteúdo de forma simultânea para EAD é totalmente improdutivo. Nesse sentido, as universidades presenciais na oferta de disciplinas durante esse período emergencial precisarão discutir uma maior flexibilidade de suas normas acadêmicas e de seus sistemas de matrículas. No longo prazo, as resoluções que têm sido tomadas pelas universidades hoje vão se mostrar tímidas perante o real prejuízo no andamento dos cursos que grande parte dos estudantes terão até pelo menos o final do ano que vem.
No âmbito estudantil, o desafio de formar uma representação discente na UNIVESP e nas universidades EAD é enorme, beirando a impossibilidade. Isso se deve não apenas pelas suas dimensões, mas especialmente pelas dificuldades técnicas e pelo perfil médio do aluno que difere bastante dos mesmos cursos em universidades federais. Os estudantes EAD em geral tem faixa etária média acima de 35 anos e já tem uma ou mais graduações concluídas. Os estudantes não possuem um canal oficial para realizar debates e votações, e com isso a única representação discente existente foram estudantes escolhidos e indicados pela coordenação. Menos de 20 para um corpo discente de mais de 50.000 matriculados.
Olhando para fora do curso os estudantes de cursos EAD sofrem com uma sub-representação e praticamente nenhuma participação (e portanto influência) nos rumos do movimento estudantil nacional. Os congressos da UNE e UEEs tem artigos em seus regimentos que funcionam como cláusulas de barreira para dificultar a eleição de delegados de cursos EAD e direitos estudantis básicos como meia-passagem, participar de conselhos universitários, votar para reitor e para os DCEs ainda é tabu em muitas universidades. E essa discussão que poderia ser levada e canalizada pelos diretores de Inclusão Digital e/ou Educação à Distância também não ocorre devido a essas ausências.
O que pode ser feito pelo Movimento Estudantil durante a pandemia?
A seguir sugiro ações que cada um dos níveis de representação da organização estudantil podem realizar nas próximas semanas:
1) É urgente que tanto os DCEs e as Associações Docentes tenham condições de realizar amplas consultas com seus representados sobre os diversos detalhes que envolvem a implentação de atividades EAD por tempo limitado nas universidades. Nesse sentido os DCEs devem realizar conversas com as reitorias e seus setores de TI para que seja disponibilizado um espaço dentro dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) com um fórum aberto gerenciado pelos DCEs e com sistemas de enquete/votação. Esse recurso é importante para garantir que as consultas tenham a participação exclusiva de estudantes regularmente matriculados. Visando também garantir que as entidades possam realizar seus processos de eleição de diretorias, durante o período de quarentena, que, como mencionado por diversos especialistas, deverá seguir ao menos até o final do ano, com repercussões muito além disso.
2) Os Centros e Diretórios Acadêmicos dos cursos deverão se adaptar e se acostumar a realizar assembleias virtuais através de ferramentas como o Zoom e o Google Meet mas também é importante buscar ferramentas com recursos mais avançados com autenticação de usuários e sistemas de votação. As consultas ao corpo estudantil se tornarão mais e mais necessárias nesse período. Essas entidades precisam obter junto as coordenações dos cursos a listagem de e-mail de todos estudantes matriculados para convocar essas assembleias virtuais, com prazo adequado para evitar questionamentos futuros. Apenas as redes sociais do CA ou DA não são suficientes para uma convocação adequada de assembleia virtual.
3) As Executivas e Federações de Cursos precisam desenvolver formas de consulta a suas entidades e estudantes filiados. A temporada de encontros nacionais de cursos que normalmente ocorre nas férias de julho está cancelada. Nesse sentido essas entidades de curso tem cerca de 2 meses para debater e desenvolver formas de realizar os seus encontros anuais de forma remota incluindo a votação de suas resoluções políticas e a eleição de sua nova coordenação.
4) Por fim, a UNE e as UEEs que são as entidades que deveriam estar fornecendo subsídios para os estudantes e todas entidades acima citadas precisam assumir a sua responsabilidade com esse debate e formar imediatamente grupos de trabalho sobre ERE e EAD. A UNE e UEEs precisam observar de forma estruturada e técnica os modelos e possibilidades de EREs que estão sendo apresentados e conseguir desenvolver uma cartilha de orientação sobre ERE e EAD para os estudantes. No caso específico da UNE e UEE-SP deve-se nomear urgentemente as diretorias de Inclusão Digital/EAD que estão vagas. No caso da UNE sugerimos mudar o nome da Diretoria de Inclusão Digital para Diretoria de Educação a Distância e no próximo congresso alçar a pasta do pleno para a Diretoria Executiva da UNE. Também é importante que a UNE organize o seu Conselho Nacional de Entidades Gerais (CONEG) neste ano, em formato virtual e que acabará tendo como objetivo secundário incentivar a organização das entidades gerais de forma virtual conforme explicado acima.
Conclusão
É importante que o movimento estudantil se adapte logo a nova realidade e em seguida efetivamente realize um debate acadêmico responsável, bem embasado e detalhado sobre o Ensino Remoto Emergencial e sobre Educação a Distância. Todos os estudantes estão sofrendo atualmente com a ineficiência de seus representantes sem visão, que a UNE e as UEEs abandonem posturas tradicionais restritas, sem enxergar essa poderosa mudança acadêmica e sociocultural que os estudantes estão experimentando e que possam finalmente votar as suas posições sobre EAD, parando de fugir do tema como fizeram na última década. O atual ERE que vem sendo oferecido apresenta muito mais problemas do que vantagens e deve sim ser combatido, mas o corpo estudantil só tem a perder se seus representantes se resumirem a apenas repetir e repetir uma posição fechada e pouco debatida como um verdadeiro mantra que não pode ser atualizado. O Movimento Estudantil deve parar de tratar a EAD como o seu “Valdemort”, ou seja, como dito nas histórias de Harry Potter, aquela que não deve ser citada.
*Leandro Chemalle é Secretário Geral do Partido Pirata. Foi Diretor de Inclusão Digital da UNE, Diretor do DCE e representante discente na UFSCar, Diretor da ABE-EAD e atualmente é estudante da UNIVESP.
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*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.