Por Isa Penna *
Quando parecia que o ano parlamentar de 2020 estava se encerrando, numa sessão extraordinária da Alesp para votar o orçamento paulista de 2021, fui alvo, aos olhos de todas e todos dispostos a ver e das câmeras da casa, de um gesto de importunação sexual por parte de um colega deputado.
Passar por aquilo, ter forças para denunciá-lo, submeter-me ao desconforto das perguntas dos incrédulos e dos holofotes da mídia, não foi tarefa fácil. Porque nunca é fácil enfrentar a violência do machismo, do patriarcado, dos ambientes misóginos, de homens brancos engravatados, que ainda são os espaços políticos institucionais no Brasil. Como são, aliás, todos os espaços públicos “invadidos” nos anos recentes por mulheres, por mulheres jovens, por mulheres negras, imigrantes, não brancas, por mulheres lésbicas e transexuais, e também por cada vez maior número de negros, indígenas, LGBTQs e gente das periferias – para horror dos tradicionalistas da ultradireita.
Muito bem orientada por minha equipe jurídica, fiz a denúncia à polícia e à Assembleia, não fugi de entrevistas, lutei para que a Comissão de Ética da Alesp pudesse se reunir ainda no próximo janeiro e avaliar meu pedido de cassação de meu agressor. Nesses dias emocionalmente duros, contei com o inestimável apoio de meus companheiros Carlos Giannazzi (que renunciou para que Érica Malunguinho assumisse sua vaga na Comissão de Ética da Alesp, até então composta por sete homens e apenas uma mulher), da própria Érica e de Mônica Seixas, líder da bancada do PSOL na Alesp, do conjunto das e dos parlamentares e dirigentes de meu partido e de outros partidos também.
Também recebi apoios tão inesperados quanto valiosos. Agradeço ao deputado Campos Machado (Avante) pela adesão ao meu pedido de representação contra Cury, adesão que possibilitou a apreciação do pedido na Comissão de Ética,
E, acima de tudo, contei com um apoio e solidariedade avassaladores do povo, das amigas que me mandam flores, dos desconhecidos que, por todo canto do Brasil e também em outros países, enviaram palavras de apoio e puseram seu nome no abaixo-assinado pela cassação de Fernando Cury – que alcança estes dias mais de 110 mil firmas. Essa reação, para mim comovente, de mulheres e homens dispostos a construir nos pequenos gestos um mundo menos desigual, é o que me dá combustível (renovável) para seguir na luta.
Afinal, não se trata do meu caso pessoal. O episódio, num contexto de profunda crise sanitária, econômica e social do país, quando teríamos tanto mais a discutir e por que brigar – como por uma vacina e plano nacional coerente de vacinação – só comprova que a violência política de gênero não pode ser tomada como um fenômeno dissociado da violência geral contra a mulher, que aniquila por feminicídio tantas vozes e vidas. Não pode ser separada da violência racista, da violência do estado contra o povo das quebradas (violência racial e social), da violência capitalista cotidiana que arranca direitos dos trabalhadores e trabalhadoras mais pobres e vulneráveis.
Com inevitável sofrimento, mas com força, o episódio me reafirma a convicção de que estive no caminho correto. Minha mandata tem se pautado por uma atuação insistente pela igualdade entre mulheres e homens, pelos direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Minha equipe jurídica produziu, em dois anos de legislatura, 102 representações, pelas quais questionei políticas públicas ou a falta delas, voltada para a segurança e qualidade de vida das mulheres do estado. Sou autora do Projeto de Lei conhecido como Dossiê Mulher, pelo qual propunha um conjunto de medidas para coleta e consolidação de dados sobre a situação da mulher em São Paulo – PL vetado pelo governador João Doria. Sou autora de PL que garantiria direitos às policiais militares grávidas. (Confira minhas iniciativas aqui.)
Relembro tudo isso porque não creio que a agressão de que fui alvo tenha sido apenas a mim, que não apenas meu corpo tenha sido desrespeitado. O alvo de gestos machistas e agressores como o de Cury é, na verdade, minha luta, minha mandata, minha trajetória, a trajetória e a luta de Érica, Mônica, Erundina, Talíria, Sâmia, Fernanda e Marielle – e das dezenas de novas parlamentares, prefeitas e vice-prefeitas eleitas em 2020. A luta de todas as mulheres.
Por isso, sinto-me empoderada para seguir em frente. Agradeço de coração a todas e todos que estão comigo nestes dias. Tenho certeza eu não estou sozinha. Machistas, racistas, direitistas, não passarão!
*Isa Penna é deputada estadual em SP (PSOL)
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.