Por Rodrigo Pimentel *
Eu e meu irmão somos naturais de Governador Valadares, em Minas Gerais, mas crescermos numa cidade do interior de São Paulo com forte influência italiana. Somos filhos dos mesmos pais, mas temos biotipos completamente distintos. Uma característica que nos diferencia é a cor da pele.
Em meados dos anos 1990, estudávamos no mesmo colégio, uma instituição privada para crianças e adolescentes de alta renda. Minha mãe, à época, era funcionária pública de um banco estatal e meu pai de uma empresa privada conhecida na cidade. Somos uma família comumente denominada, no Brasil, de classe média.
Apesar da mesma origem e de sermos uma família de classe média, um episódio marcou nossa trajetória. Aos nove anos meu irmão foi vítima de racismo. Uma colega da sua sala se recusou a cumprimentá-lo por conta da cor da sua pele. “Sai daqui, seu preto!”, disse ela.
Evidentemente que, naquela idade, a reação da garota não refletia a sua opinião sobre o tema, mas, muito provavelmente, a visão da sua família e do seu círculo social sobre as pessoas negras.
Hoje, olhando os fatos com a sobriedade que só a história nos dá, vou além: é muito provável que essa atitude representasse os valores e a visão de boa parte daquela sociedade, fortemente marcada por pessoas de origem italiana, cuja cor da pele é predominantemente branca.
Fora a repulsa e a indignação, aquele episódio marcou profundamente a minha visão sobre o racismo. Eu, que não julgava meu irmão negro, passei a entender que o problema era muito mais profundo e ia muito além da minha avaliação sobre a cor da sua pele. E o mais importante: nunca mais me senti capaz de discutir o tema com ele.
Eu, branco, jamais vivi e viverei uma situação com aquela. Jamais serei julgado ou avaliado pelo fato de ser branco. Pouco importa a nossa origem, os nossos traços, a nossa condição financeira. O que importava, para aquela garota, e provavelmente para muitas outras pessoas daquele universo, era uma coisa só: a cor da sua pele.
Esse episódio é só um pequeno exemplo do óbvio, de que o racismo existe e não escolhe condição social, origem ou ficha criminal. Escolhe uma coisa só: a cor da pele.
Foi em razão da cor da pele que João Alberto Silveira Freitas morreu na última semana, em Porto Alegre. E, infelizmente, muitas pessoas continuarão sendo mortas e sofrendo preconceito diariamente no Brasil. É isso que a figura lamentável do atual presidente da República é incapaz de entender. A miscigenação do povo brasileiro nunca impediu ou atenuou a violência cotidiana contra as pessoas negras.
Não vou me estender, até porque, como homem branco, sinto-me exatamente como relatei acima. Sou incapaz de me aprofundar na discussão do racismo no Brasil.
Também como homem branco digo aos demais, inclusive ao presidente da República, que nós, quando chamados a falar sobre o tema, apenas adotemos a postura de solidariedade. Se nem isso formos capazes, a alternativa que resta é só o silêncio.
*Rodrigo Pimentel é mestre em Economia Social e do Trabalho pelo Instituto de Economia da Unicamp.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.