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Por Maria do Rosário*
O 13 de dezembro de 1968 foi o dia em que o Estado brasileiro promulgou o AI-5, autorizando-se a praticar o terror contra seu próprio povo. Sobre a iniciativa, registra a história que até mesmo o vice-presidente do governo ditatorial, Pedro Aleixo, titubeou em empenhar sua assinatura no documento que recrudesceria os atos de violência. Conta-se que foi inquirido sobre sua não assinatura representar desconfiança na alta cúpula de governo e no ditador Costa e Silva, cujos poderes seriam ampliados indefinidamente, pelo que teria respondido: “Desconfio é do guarda da esquina”.
Ora, tivesse compromisso com a democracia, Aleixo não teria estado na função de vice-presidente. Tivesse se arrependido, teria percebido que o ditador e o guarda da esquina que abusa de autoridade, mesmo sem se conhecer, são siameses em atos contra a democracia. A diferença é a escala em que produzem os efeitos da violência.
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Esta cultura que constitui o Estado brasileiro pela violência, nunca superada, está agudamente colocada no Brasil de hoje, em afinidade com os anos de chumbo.
Decretado ou não, existem elementos que anunciam o AI-5, e não estão somente na verborragia do filho zero coisa. Mais uma vez, o governante forma pensamentos e move a lógica e os gestos violentos de agentes do Estado contra seu povo.
Em apenas um ano de exercício de Jair Bolsonaro na presidência da República (ou tentativa), é indisfarçável a inspiração fascista que seus pronunciamentos desencadeiam e consolidam, agora realizados desde o mais alto cargo da República.
De fato, nem a solenidade do cargo foi capaz de assegurar responsabilidade a quem lhe exerce. A cascata autoritária e violenta que jorra das palavras e atitudes de não digno dignatário é exemplo de que neste aspecto Pedro Aleixo guardava razão: as decisões e atos violentos de líderes influenciam e potencializam a violência por parte de seus prepostos.
Vejamos:
- O observatório da segurança pública registrou aumento de 46% de mortes por violência policial no Rio de Janeiro no 1º semestre de 2019. Basta lembrar o caso de Evaldo dos Santos Rosa, músico e pai de família, assassinado enquanto dirigia um carro, conduzindo sua esposa e a filha de sete anos, a um chá de bebê. Entre 80 e 200 tiros disparados por soldados do Exército.
- A violência policial contra participantes de um Baile Funk em Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo, resultou na morte de nove jovens que tinham entre 14 e 23 anos. As imagens mostram não apenas o uso desproporcional da força contra pessoas desarmadas, inclusive de muletas, mas o uso brutal e desnecessário, cujo resultado foi uma chacina.
- Em São Paulo, um rapaz de 17 anos foi ameaçado de morte por seguranças de um supermercado, submetido à sessão de tortura e até chicotadas após tentar furtar uma barra de chocolate do estabelecimento. Procedimentos violentos e justiçamento que mostram ser o contrário da justiça.
- O mesmo ocorreu no RJ, onde um rapaz comprometido em seu desenvolvimento mental foi morto em um estabelecimento com um golpe “mata leão”. O mesmo golpe que seguranças do metrô de SP usaram contra outro jovem, cujo crime teria sido pedir ajuda para comer.
- Observa-se ainda que o número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo em 2019 foi o maior em 11 anos, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados nesta semana. Lideranças dos movimentos sociais urbanos e do campo estão sob mira dos grupos de extermínio e das milícias, cujas características principais encontram-se em associar o Estado e a ação com o crime.
O empoderamento do fascismo por todo o Brasil afeta principalmente as mulheres. Relatório da Rede de Observatórios, lançado em novembro deste ano, mostra que os casos de feminicídio no Brasil registraram alta de 13%. Apenas em São Paulo, os casos de feminicídio aumentaram 167% no 1º semestre de 2019.
Para além das questões cotidianas, nem por isso menos importantes, é também fundamental questionar o que seria da cruzada contra a liberdade de Lula se um dos fatores que se articulam para viabilizá-la é justamente o empoderamento dos Dallagnois, Moros e outros “guardas da esquina”, dentro deste Estado de exceção?
A escalada violenta e autoritária, incentivada e consentida pelo governo, somente encontra eco porque o país possui uma cultura violenta.
Como nos versos de Chico Buarque, parece que somos feitos dos que gritam “tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria. Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”.
Isto não deve ser tolerado. Nem a raiva, nem o medo, nem a covardia.
AI-5, nunca mais!!
*Maria do Rosário (PT-RS) é deputada federal, mestre em educação e doutora em ciência política pela UFRGS.