Muito tem se falado em anistia atualmente, sobretudo em referência aos criminosos golpistas que invadiram e depredaram palácios no malfadado 8 de Janeiro de 2023. Naquela data, ao contrário do que agora se quer fazer acreditar, ocorreu um verdadeiro ataque à democracia. Várias pessoas foram presas, julgadas e condenadas. Como saldo, há uma campanha esmaecida de bolsonaristas da extrema direita clamando por anistia, em manifestações cada vez mais esvaziadas. Esvaziadas de gente e argumentos.
Uma outra campanha pela anistia, no entanto, mais precisamente no final dos anos 70, tomou as ruas e contagiou todo o país. Eram multidões a clamar pela volta de perseguidos políticos que lutaram contra a ditadura militar, instaurada em 1964, mas que se alongava em atos de terror desde 1968.
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Aquelas manifestações, que se somaram às campanhas pela Assembleia Nacional Constituinte e pelas Diretas, ganharam um hino: a canção “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Na época, um anúncio do jornal O Pasquim trazia a letra da canção, antes mesmo de seu lançamento em disco.
Elis Regina
Gravada em 1978 por João Bosco em seu disco "Linha de Passe", ele ganhou as multidões mesmo no ano seguinte, na voz de Elis Regina em seu álbum "Essa Mulher". Inspirada a princípio na morte de Charlie Chaplin, a canção clamava pela volta do sociólogo Herbert de Souza, conhecido como Betinho, “o irmão do Henfil” e também “tanta gente que partiu num rabo de foguete”.
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A letra ainda falava indisfarçadamente sobre as viúvas de mortos pela ditadura, ao se referir às “Marias e Clarices”.
Maria, segundo o próprio Aldir Blanc, seria mulher do operário Manuel Fiel Filho, e Clarisse Herzog, a esposa do jornalista Vladimir Herzog, brasileiros assassinados nos porões do DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão do governo militar, subordinado ao Exército). Há contradições na informação, pois a viúva de Fiel Filho é Thereza de Lourdes Martins Fiel. Maria Aparecida é a filha dele. Enganos à parte, ficou valendo muito mais pela intenção.
A letra de Aldir prossegue vertiginosa e fala enigmaticamente sobre a tarde que caía "feito um viaduto". O verso faz menção à queda, em 1971, do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. Trata-se de mais uma obra da ditadura, concluída dois anos antes, que ruiu subitamente, soterrando 48 pessoas e matando 29.
No final das contas, “O Bêbado e a Equilibrista” é considerada até hoje uma das canções mais importantes e belas da música popular brasileira, tanto pelo que ela representa, quanto pela sua construção lírica e melódica. Um dos nossos maiores sambas de todos os tempos.
Ouça a canção abaixo: