ARQUEOLOGIA

Pesquisa revela interações complexas de humanos com megafauna brasileira durante o Pleistoceno

Estudo atualizado com fósseis encontrados no interior de São Paulo trazem detalhes sobre a presença de megafauna no Brasil e sua interação direta com humanos pré-históricos

Megafauna brasileira - representação ilustrativa.Créditos: Julio Lacerda via Wikimedia Commons
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Um estudo publicado na Revista Brasileira de Paleontologia e coordenado por pesquisadores do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) da Universidade de São Paulo (USP) traz evidências inéditas de que os primeiros habitantes do Vale do Ribeira de Iguape, no interior de São Paulo, interagiram de forma direta com a megafauna brasileira — conjunto de grandes animais pré-históricos que habitavam o território do Brasil durante o Pleistoceno, entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás.

De acordo com os pesquisadores, sob a vegetação densa do Vale, fósseis extraídos em 1980 de Toxodons, mamíferos gigantes que lembram uma mistura entre hipopótamos e rinocerontes, foram analisados com o auxílio de novas técnicas e mostraram que houve "uma extração intencional" de dentes dos fósseis, com incisões "compatíveis com instrumentos líticos" em fósseis de Toxodon platensis, o que indica manipulação humana — provavelmente para uso como adorno por grupos pré-históricos que habitavam o território, analisa o pesquisador principal do estudo, Paulo Ricardo de Oliveira Costa, em entrevista ao Jornal USP.

Os fósseis extraídos pertenciam a três cavernas da região do interior paulista: o Abismo Ponta de Flecha, o Abismo do Fóssil e o Abismo do Juvenal, e são algumas das primeiras evidências dessa espécie encontradas no Brasil — com a maioria vindo, em geral, de outros países do continente sul-americano, como Bolívia, Colômbia e Venezuela, destacam os pesquisadores.

O estudo também avaliou os fósseis encontrados de Mixotoxodon larensis, um gênero parente de notoungulado da família Toxodontidae e caracterizado como o maior ungulado a viver no continente — entre o norte da Argentina e o sul dos Estados Unidos.

A maioria dos fósseis de Mixotoxodon costuma vir da Venezuela. Estima-se que eles mediam até 1,8 metro de altura, com 3,3 metros de comprimento e mais de quatro toneladas. Os fósseis analisados pelo estudo estavam em uma "localização inédita", porque foram o "registro mais ao sul" já encontrado da espécie, que não se acreditava ter existido no sudeste brasileiro, o que levanta novas hipóteses sobre a migração da megafauna na América do Sul.

Representação de Toxodon platensis. Créditos: extraído de A History of Land Mammals in the Western Hemisphere, 1913.

A análise dos dentes dos fósseis também indica uma "falha na decomposição do esmalte", que foi provavelmente causada por interrupções fisiológicas no seu desenvolvimento. Isso significa que o animal deve ter sofrido "estresse ambiental" em vida, como escassez alimentar, provavelmente relacionada às mudanças sofridas pela Terra ao final do período Pleistoceno, nota o estudo.

Além de lançar luz sobre a história do Pleistoceno na América do Sul, os achados são significativos porque mostram uma outra dimensão da existência dos humanos pré-históricos no período — além de terem existido ao mesmo tempo que a megafauna, também já apresentavam aspectos de cultura e práticas simbólicas, como é o caso da retirada dos dentes de Toxodontes para fazer ornamentos pessoais, como colares e pingentes.

Para os pesquisadores, é uma relação complexa por transcender os objetivos mais imediatos, como a caça para consumo, e se aproximar de uma "apropriação em outra dimensão", que pode ser "social, estética ou ritual".

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