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Fernanda Torres faz história para além do cinema: leia discurso completo da atriz no Globo de Ouro

Brasileira conquistou estatueta por atuação como Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui, destacando o lugar da memória na história e marcando o primeiro prêmio do país na categoria

Fernanda Torres no carpete vermelho horas antes da premiação.Créditos: Reprodução / @goldenglobes
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A atriz Fernanda Torres se tornou a primeira brasileira a conquistar o prêmio de Melhor Atriz de Drama no Globo de Ouro neste domingo (5), em uma história sem precedentes para o cinema nacional. A justa e majestosa atuação como Eunice Paiva no filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, garantiu a vitória de Torres, superando “grandes nomes” da indústria cinematográfica como Angelina Jolie e Nicole Kidman.

O prêmio mostra não apenas a maestria com que Fernanda Torres conduziu a interpretação no filme, mas também consolida o lugar da memória na história. Eunice Paiva representa o que muitas mulheres passaram naquele tempo, reflete a angústia de inúmeras famílias brasileiras que enfrentaram a violência contra o regime militar. No caso de Eunice, essa dor ultrapassou os 21 anos da repressão e acompanhou até o fim da sua vida com o desaparecimento de Rubens Paiva. O filme, que é um tributo, uma resistência sem igual e sem tamanho, expõe uma ferida aberta no Brasil e os fantasmas da ditadura 60 anos após o golpe.

Fernanda, que contou com a torcida de veículos internacionais como The New York Times e Variety, entrou para a história como a primeira brasileira a vencer na categoria, realizando um feito que sua mãe, Fernanda Montenegro, quase alcançou em 1999, quando foi indicada por Central do Brasil, do mesmo Walter Salles, mas não havia levado o prêmio. A atriz alcançar o auge de sua carreira aos 59 anos, especialmente quando ela divide esse sucesso com a mãe, que continua ativa e radiante aos 95, serve como um alento para as mulheres e um combate direto ao etarismo.

Ser consagrada com o prêmio foi uma surpresa para Fernanda Torres, que, horas antes da cerimônia do Globo de Ouro, declarou que suas chances eram “nulas”, já que a academia só premiava filmes estadunidenses ou europeus. No discurso e com a estatueta em mãos, a atriz dedicou o prêmio inteiramente à mãe e falou sobre a importância da resistência através da arte.

"Meu Deus, eu não preparei nada porque eu não sei se eu estava pronta. Isso foi um ano incrível para os desempenhos de atrizes. Tantas atrizes aqui que eu admiro tanto. E, claro, eu quero agradecer ao Walter Salles, meu parceiro, meu amigo. Que história, Walter! E, é claro, eu quero dedicar esse prêmio à minha mãe. Vocês não têm ideia. Ela estava aqui há 25 anos. E isso é uma prova que a arte pode resistir através da vida. Até durante momentos difíceis pelos quais a personagem que eu interpretei, Eunice Paiva, passou. E a mesma coisa que está acontecendo no mundo hoje. Tanto medo"

“Esse é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos como esses”

“Então, para a minha mãe, para a minha família, para o Andrucha [Waddington, marido de Fernanda], para o Selton [Mello], meus filhos. E para todos, muito obrigada ao Globo de Ouro, Michael Parker, Mara, tantas pessoas. Muito obrigada!", finalizou.

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Considerado um "esquenta" para o Oscar 2025, o Globo de Ouro aumenta a expectativa brasileira de que Fernanda Torres possa ser indicada ao maior prêmio do cinema, cuja lista de nomeados será divulgada em 17 de janeiro.

"Sendo fiel à Eunice, a gente ganhou o mundo"

Cumprindo uma maratona de entrevistas, provas de vestidos e ensaios em Los Angeles, nos Estados Unidos, Fernanda Torres afirmou viver uma sensação de "dever cumprido" antes de pisar no tapete vermelho do Globo de Ouro. "Esse filme foi feito pequeno, numa casa na Urca, com uma família que a gente foi criando", disse à atriz em entrevista a Fernanda Ezabella, na Folha de S.Paulo.

"A gente só queria dar conta da Eunice, ser fiel a ela. E sendo pequeno e fiel à Eunice, a gente ganhou o mundo", emenda a filha de Fernanda Montenegro, que também já concorreu ao prêmio como protagonista de "Central do Brasil", do mesmo Walter Salles, em 1998 - o diretor também disputou com "Abril Despedaçado" (2000) e "Diários de Motocicleta" (2004).

Do hotel no bairro de West Hollywood, onde esteve na expectativa da premiação, Fernanda Torres disse que só a indicação lhe deu uma "sensação de dever cumprido" e, mesmo diante de tantas boas expectativas dos brasileiros e da mídia especializada, a atriz mostra que está com os pés no chão. "A chance de alguém falando português levar um prêmio desse tamanho é praticamente nula", disse.

"Só de estar indicada para uma categoria tão incrível, de atriz em drama, eu já estourei meu champanhe. Então amanhã [hoje] eu vou para lá com uma sensação de dever cumprido"

Aos 59 anos, a atriz carioca não pretende aproveitar o frisson de Ainda Estou Aqui para deixar o país. "Não penso em me mudar para Los Angeles para tentar uma carreira em Hollywood. Isso não existe. Mas existe a possibilidade de algum trabalho legal", contou.

A atriz afirmou que voltará ao Brasil, onde se passa a trama da família Rubens Paiva, uma história real do ex-deputado perseguido e assassinado pela Ditadura Militar nos anos 1970, que seduziu milhões de cinéfilos pelo mundo por, segundo Fernanda, contar "uma tragédia grega de uma família".

"Isso toca as pessoas independente de nacionalidade, do credo ou da crença política. É uma tragédia, mas que não te deprime porque é uma família que resistiu, e resistiu sorrindo", diz. "Eunice Paiva ensina a gente a atravessar tempos adversos. E acho que todo mundo atualmente tem uma sensação de estar vivendo num mundo em desalinho", diz a atriz, que se engajou também na luta política recente no Brasil, que traz resquícios dessa mesma ditadura.

Leia ainda a entrevista exclusiva concedida à Fórum: 'Uma produção imersiva e revolucionária', afirma atriz de ‘Ainda Estou Aqui’

Ainda Estou Aqui

O filme "Ainda Estou Aqui" é ambientado no Brasil de 1971, quando o país vivia uma grave crise sob a ditadura militar. Baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva e sua mãe, Eunice Paiva, a história real de uma mãe de cinco filhos que, após o sequestro e desaparecimento de seu marido pela Polícia Militar, se torna ativista pelos direitos humanos e indígenas no país. 

"Ainda Estou Aqui" é dirigido por Walter Salles e acumula sete prêmios, incluindo o de melhor roteiro no Festival de Veneza. Este é o quarto filme do diretor a ser indicado ao Globo de Ouro. O longa, indicado ao Oscar como representante do Brasil para este ano, já atraiu um público superior a 3 milhões de pessoas. A produção de Salles com Fernanda Torres no elenco principal superou grandes produções internacionais nas bilheterias brasileiras como "Gladiador 2", “Venom 3”, do personagem da Marvel, e "Wicked" no dia 22 de novembro, como mostrou a Fórum.

O longa está entre os 15 selecionados na shortlist do Oscar e busca uma vaga entre os cinco finalistas de Melhor Filme Internacional, com os resultados sendo divulgados em 17 de janeiro. Também foi nomeado para o Critics' Choice Awards 2025 na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, com o vencedor sendo anunciado no dia 12 de janeiro.

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