Nenhum membro da Geração Z estava vivo quando o julgamento de Lyle e Erik Menendez, acusados do assassinato de seus pais em 1989, foi transmitido em rede nacional. Ainda assim, há uma legião de jovens defensores da dupla. O crime mobilizou a opinião pública há 35 anos e continua despertando interesse.
O crime brutal ocorreu em 20 de agosto de 1989, quando José e Kitty Menendez foram mortos a tiros pelos dois filhos enquanto assistiam televisão em sua residência em Beverly Hills, em Los Angeles, na Califórnia (EUA).
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Agora, jovens utilizam o TikTok para expressar sua indignação com as sentenças de prisão perpétua que os irmãos cumprem desde sua condenação em 1996.
Numa época que a internet engatinhava e não existia redes sociais, a cobertura da mídia sobre o julgamento dos irmãos Menendez foi extensa e altamente sensacionalista. O caso atraiu enorme atenção do público dos EUA e de outros países em razão da natureza chocante e dos detalhes que emergiram durante os processos.
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Precursor do O.J. Simpson
O julgamento dos irmãos Menendez foi um dos primeiros grandes casos criminais a serem transmitidos ao vivo pela televisão. Isso permitiu que milhões de espectadores acompanhassem cada detalhe do processo, transformando o caso em um fenômeno de mídia semelhante ao julgamento de O.J. Simpson, que ocorreria anos depois. O Court TV (canal especializado em casos jurídicos) desempenhou um papel importante ao exibir as audiências em tempo real.
Um dos principais pontos de atenção foi o estilo de vida luxuoso dos irmãos Lyle e Erik Menendez. A mídia enfatizou como, após o assassinato dos pais, os dois gastaram grandes somas de dinheiro em carros, roupas de grife e viagens, reforçando a narrativa da acusação de que o crime teria sido motivado por ganância e pela herança.
Durante o julgamento, os irmãos alegaram ter sido abusados sexualmente por seu pai, José Menendez, ao longo de anos, e que o assassinato foi uma reação a esses abusos. Essas alegações chocaram o público e geraram uma divisão na opinião pública.
Enquanto alguns simpatizavam com os irmãos e acreditavam nas alegações, outros viam isso como uma estratégia de defesa para justificar o crime. A mídia explorou extensivamente esses detalhes, frequentemente focando nos depoimentos emocionais de Erik e Lyle, que descreveram em detalhes os abusos.
A advogada Leslie Abramson, que defendeu os irmãos, também se tornou uma figura central na cobertura midiática. Seu estilo combativo e carismático, além de sua defesa veemente de que os irmãos agiram em legítima defesa após anos de abuso, a transformaram em uma celebridade jurídica.
Complexidade familiar
José e Kitty Menendez também foram retratados de forma complexa pela mídia. José era descrito como um homem de negócios implacável, enquanto Kitty era retratada como emocionalmente instável. As personalidades dos pais, especialmente a imagem de José como um possível agressor, foram amplamente debatidas nos veículos de comunicação.
A cobertura constante e as reviravoltas dramáticas no tribunal fizeram com que a opinião pública ficasse dividida. Enquanto alguns viam os irmãos como vítimas de abuso, outros os viam como assassinos frios e calculistas que agiram por ganância. Essa divisão foi amplamente explorada pela mídia, que frequentemente publicava matérias sensacionalistas para aumentar a audiência.
A cobertura maciça, focada tanto nos detalhes macabros quanto no drama familiar, ajudou a transformar o caso Menendez em um evento midiático, semelhante ao que ocorreu com outros grandes julgamentos da época. A transmissão ao vivo permitiu que o público não apenas assistisse ao julgamento, mas também debatesse suas próprias conclusões, o que impactou a percepção geral sobre justiça e abusos familiares.
Esse caso permanece relevante até hoje, especialmente com a crescente atenção recebida nas redes sociais, onde novas gerações discutem e reavaliam o julgamento à luz das questões de abuso doméstico e trauma psicológico.
Não por acaso, a história dos irmãos já foi tema de várias produções para o cinema e para a tevê (leia abaixo). As mais recentes são uma série da Netflix, que mistura ficção e realidade, e um documentário no Discovery+, disponível na plataforma Max (ex-HBO), que foca exatamente no fenômeno de apoio de jovens da Geração Z aos dois irmãos.
Bombando no Google
O jornalista Robert Rand, que cobriu o julgamento dos irmãos Menendez na década de 1990 e desde então tornou-se defensor de sua causa, em entrevista ao jornal The New York Times em 2021, atribuiu o aumento de interesse pelo caso ao lançamento da série documental "The Menendez Murders: Erik Tells All" em 2017, no canal A&E. A série traz entrevistas aprofundadas com Erik Menendez sobre suas alegações de abuso familiar, e foi disponibilizada na plataforma Hulu em 2019.
No final de 2020, Rand observou um crescimento expressivo no tráfego de seu site MenendezMurders.com. "Normalmente temos cerca de 500 visitantes por dia", escreveu ele em um e-mail no final de janeiro daquele ano. "No último fim de semana, tivemos 50 mil visitantes." Dados do Google Trends corroboram essa tendência, mostrando um pico nas buscas pelo termo "irmãos Menendez" em meados de dezembro daquele ano.
Na mesma matéria do NYT, Sharon Ross, professora de estudos de mídia no Columbia College Chicago, observou que o crescimento do true crime (crimes reais), aliado a redes sociais de formato curto como o TikTok, que incentivam postagens de alto impacto, está gerando debates entre os jovens sobre questões mais amplas, como a definição de verdade, justiça e equidade. Segundo Ross, essa tendência desafia as narrativas simplistas de moralidade dos anos 1990, quando casos de grande repercussão como os de O.J. Simpson dominavam as manchetes.
Os irmãos Menendez fazem parte de uma categoria de criminosos cujas histórias estão sendo revisadas com mais nuance, à medida que a opinião pública muda. Ross destacou que, atualmente, a sociedade está mais consciente dos impactos da violência doméstica, do abuso sexual e do racismo, o que permite uma reavaliação das reações a esses elementos com uma visão mais clara.
Ficção e realidade
Na Netflix, a nova série foi lançada nesta quinta-feira (19) e integra a antologia Monstros. Em nove episódios, Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais ( The Menendez Brothers: Murder in the Family), estrelada por Nicholas Alexander Chavez (Joseph Menendez) e Cooper Koch (Erik Menendez), revisita o famoso julgamento que marcou a década de 1990 e mergulha no contexto familiar que precedeu o crime.
Criada por Ryan Murphy e Ian Brennan, a produção também explora as complexidades das vidas de José Menendez, interpretado por Javier Bardem, e Kitty Menendez, vivida por Chloë Sevigny.
Além de abordar a riqueza e o glamour que cercavam a família, a série expõe as relações disfuncionais que marcaram o ambiente doméstico dos Menendez e oferece uma visão mais profunda das tensões familiares que culminaram no crime.
"Criminosos mais atraentes de todos os tempos"
O documentário da Discovery+, Os Irmãos Menendez: Assassinos ou Sobreviventes?, de 2022, traz depoimentos, reconstruções dos eventos e discussões sobre as alegações de abuso que dominaram o julgamento dos irmãos.
O filme lança luz sobre o debate deflagrado por jovens nas redes sociais que destaca o apelo sexual dos irmãos Menendez, chegando a chamá-los de "os criminosos mais atraentes de todos os tempos". Além da aparência, muitos se sensibilizam com o argumento da defesa de que os homens foram abusados sexualmente por seu pai durante anos.
Entre as personagens que aparecem no documentário está uma jovem alemã de 18 anos, que durante entrevista à ABC News se sensibilizou com o caso. "Assistir alguém descrever essas experiências é sempre muito triste e comovente," disse Janne.
Após o YouTube recomendar um vídeo do julgamento, Janne assistiu e se tornou uma defensora fervorosa dos irmãos Menendez. Ela agora publica vídeos dos depoimentos sobre abuso sexual no TikTok.
Críticas à série da Netflix
A legião de defensores da Geração Z dos irmãos Menendez não ficou nada satisfeita com a série da Netflix sobre o caso. As críticas dos jovens estão centradas em preocupações sobre a representação, a precisão dos fatos e o impacto da narrativa na percepção pública dos envolvidos.
Muitos apoiadores dos Menendez argumentam que a série apresenta uma visão unilateral dos irmãos, focando excessivamente nos aspectos negativos e ignorando possíveis contextos que poderiam explicar suas ações. Eles sentem que a narrativa é tendenciosa, retratando os irmãos de forma excessivamente vilanesca sem explorar plenamente suas motivações ou circunstâncias pessoais.
Há preocupações de que a série tome liberdades criativas com os fatos históricos, distorcendo eventos reais para aumentar o drama e o apelo televisivo. Defensores apontam para inconsistências e omissões que podem levar o público a ter uma compreensão distorcida do caso Menendez, afastando-se da verdade dos acontecimentos.
Alguns críticos jovens acusam a série de sensacionalizar o caso, explorando o sofrimento pessoal dos irmãos Menendez e de suas famílias para fins de entretenimento. Eles argumentam que isso desrespeita a seriedade do caso e a dor envolvida, transformando uma tragédia real em um espetáculo de mídia.
Os defensores expressam preocupação de que a série possa manchar ainda mais a reputação dos irmãos Menendez e de suas famílias, dificultando qualquer tentativa de reabilitação pública ou entendimento mais profundo dos eventos. Eles temem que a narrativa negativa perpetuada pela série influencie a opinião pública de forma irreversível.
Outra crítica comum é a ausência de vozes diversas na narrativa, especialmente aquelas que poderiam oferecer perspectivas alternativas ou mais equilibradas sobre o caso. Jovens defensores sentem que a série não dá espaço suficiente para testemunhos que poderiam humanizar os irmãos Menendez ou oferecer contextos socioeconômicos e psicológicos relevantes.
Com a crescente influência das redes sociais, os jovens defensores também criticam a série por aumentar a exposição pública dos irmãos Menendez de maneira excessiva. Eles argumentam que isso pode levar a julgamentos precipitados e a uma cultura de cancelamento, onde os indivíduos são condenados sem um processo justo e completo.
Por fim, muitos jovens defensores apelam para que a série promova mais diálogo e compreensão em vez de apenas condenação. Eles sugerem que uma abordagem mais empática e investigativa poderia ajudar a sociedade a entender melhor os fatores que levaram ao caso Menendez, promovendo uma discussão mais construtiva sobre justiça, saúde mental e pressões sociais.
As críticas dos jovens defensores dos irmãos Menendez à série da Netflix destacam a importância de uma representação justa e precisa em produções de mídia baseadas em eventos reais. Eles enfatizam a necessidade de equilibrar o entretenimento com a responsabilidade de contar histórias de maneira ética e respeitosa, garantindo que todas as vozes e perspectivas sejam consideradas.
Irmãos Menendez no cinema e na tevê
A história dos Irmãos Menendez inspirou diversas produções audiovisuais, desde documentários até séries de televisão.
- Law & Order True Crime: The Menendez Murders (2017) - Esta minissérie de oito episódios faz parte da franquia Law & Order e foca nos eventos e julgamento dos irmãos Menendez. A atriz Edie Falco interpreta Leslie Abramson, a advogada de defesa dos irmãos. A série explora os detalhes do crime, o processo judicial e os argumentos de abuso sexual apresentados pela defesa.
- The Menendez Murders: Erik Tells All" (2017) - Um documentário do canal A&E que traz entrevistas com Erik Menendez, gravadas por telefone da prisão. Ele reflete sobre o assassinato de seus pais e a sua vida após a condenação. O programa combina entrevistas com cenas recriadas e material de arquivo do julgamento.
- Menendez: Blood Brothers" (2017) - Um filme feito para a TV produzido pelo Lifetime, que dramatiza a vida de Lyle e Erik Menendez antes e depois do assassinato de seus pais. A produção foca nas alegações de abuso sexual e psicológico que os irmãos teriam sofrido, buscando fornecer uma visão mais humanizada sobre os eventos.
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