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VÍDEO - Prefeito de Criciúma ameaça cortar luz de show se Planet Hemp falar sobre maconha

Primeira tentativa de censurar a banda foi em 1995 com o clipe de “Legalize Já”, do álbum “Usuário”; Relembre histórico de perseguição ao grupo de Marcelo D2, Bnegão e cia.

Bnegão e Marcelo D2.Créditos: Reprodução
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A cidade de Criciúma, o principal município do sul de Santa Catarina, receberá entre os dias 22 e 23 de março o Skate Total Urbe (STU), uma competição nacional de skate que reunirá, num parque da cidade, atletas de todo o país e atrações culturais de peso como os shows da banda Planet Hemp e do rapper Criolo. Mas o line up do Urb Music Tour não agradou nem um pouco o prefeito Clésio Salvaro (PSD), que prometeu usar um alicate para cortar a luz do evento caso os artistas falem sobre a ligalização da maconha e a guerra às drogas com o público e em suas músicas.

A declaração foi feita em vídeo nesta quarta-feira (20) nas redes sociais. Nas imagens, Salvaro diz que irá autorizar um servidor da prefeitura – que aparece ao seu lado segurando um alicate – a fazer o corte de energia. A justificativa para a suposta medida é que poderia haver “apologia às drogas”, ao “crime” e “conteúdo sexual” nos shows.

“Vai ser realizada uma etapa importante do skate nacional aqui na nossa cidade, que vai levar o nome de Criciúma para todo o território nacional. Agora, qualquer coisa diferente disso, como por exemplo apologia às drogas, apologia aos crimes, qualquer coisa que mexa com conteúdo sexual e mexa com nossos meninos e nossas meninas, o Gilberto [funcionário] está aqui. Autorizado e com alicate na mão para cortar a energia. E pode faltar energia pra televisão, celulares, internet, para os bares aqui do entorno, não me importo! Esse local aqui nós construímos para acolher as famílias de bem”, afirmou o prefeito.

Salvaro costuma apresentar-se como um paladino das ditas “famílias de bem”. Em 2021 chegou a demitir um professor da cidade por ter passado um clipe do Criolo em sala de aula. Mas é pouco provável que realmente corte a luz do evento. Em caso contrário, o mais recomendável seria se antecipar ao trabalho e já deixar a cidade sem luz, uma vez que os artistas, e em especial o Planet Hemp, já tocam nesses temas a décadas e são conhecidos, além da música, pela abordagem social nas letras.

Perseguição ao Planet Hemp

O Planet Hemp, inclusive, liderado por Marcelo D2 e Bnegão, teve sua primeira luta contra a censura no ano de 1995, logo após o lançamento do seu primeiro disco, “Usuário”. Na ocasião, a música de destaque do grupo, “Legalize Já”, ganhou um clipe que acabou proibido de ser veiculado. À época, o grupo também chamava a atenção pela sonoridade que misturava gêneros como o rockn roll, o hardcore, o rap e o reggae, além da forte influência da cultura negra e suburbana do Rio de Janeiro. Fora do Brasil, quem também surgia com uma proposta semelhante era o Rage Against the Machine, liderado por Zack de la Rocha.

À época do “Usuário”, o Planet Hemp tinha D2 e Bnegão no front. No entanto, em 1996, quando foi lançado “Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára”, Bnegão saiu da banda e deu lugar a Black Alien. Durante a turnê que apresentava o disco – cuja capa foi desenhada pelo quadrinista Marcello Quintanilha – a banda já era perseguida por policiais, tendo inclusive sido agredida fisicamente, e por apresentadores de televisão como o icônico Luiz Carlos Alborghetti.

Em 9 de novembro de 1997 o Planet Hemp foi preso por apologia às drogas. Durante os cinco dias em que ficaram atrás das grades houve intensa mobilização de fãs, artistas, jornalistas, ONGs, políticos do campo democrático e a história se espalhou. Os discos da banda, inclusive, esgotaram nas lojas e a perseguição acabou virando a favor do perseguido.

Em 2000 o grupo lançou o seu terceiro disco, “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, dois anos depois de Marcelo D2 lançar seu primeiro trabalho solo, “Eu tiro é onda”. Em 2001 a banda gravou um o seu “MTV ao Vivo” e dois anos depois acabou por desentendimentos entre os integrantes.

Alguns revivals ocorreram. Em 2010 se reuniram para uma participação no VMB, cerimônia de premiação musical da MTV, e entre 2012 e 2013 para fazer shows no Circo Voador. Anos depois, em 2018, lançaram um filme e um livro sobre a história da banda.

As pazes entre D2 e Bnegão e o retorno definitivo só ocorreriam em dezembro de 2021 com o lançamento do seu quinto disco “Jardineiros: A Colheita”. O trabalho recente é um verdadeiro manifesto contra o bolsonarismo composto a partir dos temas históricos abordados pelos artistas. Vale a pena escutar.