Há tempos não se viam. Para ser preciso, vinte anos, dois meses, dezoito dias e — caso usasse relógio ou olhasse o celular — três horas e doze minutos, desde aquele dia em que ela chorou desesperadamente, lágrimas saltando, — e ele, não — e pôs um ponto final na história deles para sempre.
Ficaram anos juntos — anos da passagem da adolescência para a vida adulta — e aquela separação o colocou de frente com uma nova realidade.
Nunca fora "apaixonado" por ela; achava mesmo que nem gostava muito dela. Era um namoro de circunstância, provocado por ela, que o parou na praia, se apresentou, e desde aquele dia em diante, até o do fim, ficaram juntos.
Mas aquela separação de surpresa trouxe a ele uma revelação surpreendente: era louco por ela. Louco mesmo. Como nunca havia percebido isso?
Mas isso tudo já não importava. Agora, tanto tempo depois, ela o reconheceu, encontrou em algum lugar dele aquele amor dela de há mais de vinte anos (dois meses, dezoito dias e três horas e agora quinze minutos).
Ela estava muito feliz, o abraçou com força, como fazia antigamente, e a sensação que ele teve foi de que o tempo não havia passado. Eram dois rolos de um filme que foram unidos na mesa de montagem, e a vida seguia como se nunca houvesse a separação. Era assim que sentia.
Ela falava e sorria, com um sorriso tão especial dela, e ele a ouvia, mas, ao mesmo tempo, contabilizava os mortos no tempo passado.
Quando ela disse "vamos a algum lugar?", ele pensou que quase todos os lugares que frequentavam não existiam mais. O Rick, onde comiam crepe. O Helsingor, de comida dinamarquesa, onde ele comia tartar com cebola frita. O Salsichão Alemão, do chili com carne. O Luna's Bar, onde tomavam chopes — melhor, ele tomava, grande parte do tempo em que namoraram ela era menor de idade.
Não existem mais também o Chaika, o cinema Miramar. Tanta coisa que fazia parte da história dos dois e que passaram pela cabeça dele, enquanto pensava numa resposta para a pergunta dela.
Estava assim tão atônito que, quando percebeu, se viu sentado no banco do carona, com ela ao volante, exatamente como era. Ele sempre admirou a destreza dela ao volante. Andava a toda velocidade, descobria atalhos no trânsito, e apertava firme o acelerador com seus pés mínimos — calçava 34, e logo veio à cabeça dele o dia em que estavam num barzinho que já não existe mais nem em sua memória, com as paredes feitas de cascos de garrafas, em que ela, com ciúme de uma amiga que o cumprimentou à mesa, lhe deu um chute forte na canela com uma botinha que ele lhe dera.
Estavam na festa de aniversário de uma amiga. "Não, não é festa, é só uma reuniãozinha, dou um beijo nela e a gente sai", quando ele não estava ligando para nada daquilo, feliz com aquele encontro e com o que estava acontecendo, como não se sentira nunca antes.
De repente, um grupo se dirige a eles, que estavam um pouco à parte na festa. Um dos jovens traz dois pedaços de torta. Oferece um a ela e o outro coloca em suas mãos, impondo não só a fatia de torta como sua presença.
Eles não se conhecem e ele não simpatiza com o jovem de cara. Logo, chegam outros atrás dele, falam alto, riem mais alto ainda. E ele sente que andaram fazendo uma brincadeira em algum lugar... Todos são jovens, como ele e era foram.
Até que o jovem que ofereceu a torta pede que ele feche os olhos.
Ele olha pra ela. Ela também ri, como quem diz: participa, assim eles vão logo embora.
Ele entra no jogo. Por ela. Fecha os olhos. Escuta-o dizer: conta até dez.
Ele vai contando, enquanto pensa no que farão. Não vê a hora de ficar sozinho com ela novamente. Mas, antes precisa passar por essa prova. E pensa: o que farão?
Vão tirar a torta? O que colocarão no lugar? O quanto será feito de idiota, apenas para poder ficar novamente a sós com ela?
Até que diz "dez", e abre os olhos. Se quiserem pegar a torta, que peguem.
Mas não foi só a torta que o jovem pegou. Foi a festa toda. Inclusive ela.
Estava sozinho em casa. Há vinte anos, dois meses, dezoito dias e...
Pra que contar?
O amor tem dessas coisas.
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