DIREITO AO VOTO

Voto feminino completa 92 anos: as vozes que deram início ao movimento sufragista

Mônica Karawejczyk explica à Fórum que o movimento pelo sufrágio feminino começou ainda no século XIX e preconceito foi responsável por estender o processo de conquista do voto

Mônica Karawejczyk e seu livro As filhas de Eva querem votar.Créditos: Arquivo Pessoal
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Embora 24 de fevereiro de 1932 seja celebrado como o marco da conquista do voto feminino no Brasil, o longo prcesso de resistência por trás desse direito ainda é pouco divulgado ou conhecido. Grandes nomes do movimento sufragista como Nísia Floresta e Bertha Lutz são geralmente os mais lembrados, mesmo sendo partes essenciais para esse feito histórico, mas quando começou e como se deu o movimento de reivindicação pelo voto das mulheres no Brasil?

Pesquisadora há 17 anos sobre tudo o que envolve o voto feminino no país e doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mônica Karawejczyk contou em entrevista à Fórum que esse direito fundamental demorou muito para ser conquistado e com esse tempo, muitas mulheres precisaram lutar até que ele se tornasse realidade. “Desde a época do Império, encontramos mulheres reivindicando o direito de votar e participar do jogo eleitoral, vozes isoladas e que solicitaram direitos, mas quase não foram ouvidas e levadas a sério”, afirma.

Nessa época, “jornalistas como a Josefina Álvares de Azevedo foi uma das mulheres que solicitou o direito de voto”, destaca ela. Uma mulher à frente do seu tempo, em 1881, Josefina era proprietária e redatora do jornal intitulado A Família e, através da apresentação de uma peça teatral, O Voto Feminino, questionou a lei eleitoral que excluía as mulheres do sufrágio. Sua iniciativa, embora rejeitada pelos jornais e pela classe política vigente, plantou o que pode ser considerada a semente da luta pelo voto e inserção feminina na política brasileira.

Josefina Azevedo: a escrita como ferramenta de resistência feminina

Autora do livro “As filhas de Eva querem votar" e também do artigo “Josefina Álvares de Azevedo e a peça teatral o voto feminino”, Mônica destaca que a jornalista saiu do mero papel educacional de seu jornal, única área do conhecimento possível oferecido à mulher - da elite intelectual - para um instrumento de luta real em prol de transformação social. Nas charges que representavam o “alistamento feminino” dos grandes jornais, como na Revista Ilustrada em 1890, por exemplo, “a demanda pelo voto feminino estava sendo considerada, mas limitada ao recurso da pilhéria [piada] e da zombaria”, escreveu a pesquisadora.

Na edição de A Família, de 30 de novembro de 1889, Josefina trouxe pela primeira vez a mulher para o centro dos debates nacionais e rebateu discursos conservadores que argumentavam sobre a questão “do lar”:

“A pátria é livre, a sociedade brasileira vai reconstituir-se sob as bases de uma prometida política libérrima, de vistas amplas, de princípios vitoriosos. Mas em meio de tudo isso o que ficará sendo a mulher brasileira? Qual o destino que lhe reservam no conflito da vida nacional? [...] é necessário que a mulher, também como ser pensante, como parte importantíssima da grande alma nacional, como uma individualidade emancipada, seja admitida ao pleito em que vão ser postos em jogo os destinos da pátria. [...]. À mulher como ao homem deve competir a faculdade de preponderar na representação da pátria. Queremos o direito de intervir nas eleições, de eleger e ser eleitas, como os homens, em igualdade de condições”

Com a peça teatral O Voto Feminino, atração muito comum no final do século XIX, a jornalista apostou mais alto e buscou evidenciar aquela situação. “Josefina decidiu abordar a questão do sufrágio feminino no seu texto – como uma comédia –, fez com que usasse a seu favor uma das armas dos que eram contra a emancipação feminina, ou seja, o riso”, analisou Mônica. A peça tirou a máscara do patriarcado e deixou nítida a condição na qual se colocavam as mulheres.

Na Primeira República, a luta pelo sufrágio feminino enfrentava um grande obstáculo: a legitimidade constitucional do pedido. As mulheres, imbuídas de esperança e determinação, já buscavam seus direitos através da letra da lei, contestando interpretações restritivas e reivindicando reconhecimento, já que a exclusão era naturalizada pelos constituintes.

Leolinda Daltro: a fundação do primeiro partido político feminino

“A partir de 1909, 1910 temos a formação de um verdadeiro movimento sufragista no Brasil, com a liderança da professora Leolinda Daltro e a fundação, junto com outras professoras, na capital federal de uma associação feminina que elas chamaram de Partido Republicano Feminino, que entre suas pautas, lutava pelo voto feminino, suas vozes passaram a soar cada vez mais juntas, mais fortes e começaram a incomodar os que estavam no poder exigindo seus direitos”, ressalta Karawejczyk à Fórum.

Professora baiana e defensora dos direitos indígenas e das mulheres, Leolinda de Figueiredo Daltro tentou se colocar como eleitora pela lei entre os anos de 1910 e 1920. Seu primeiro ato político foi reunir algumas mulheres em apoio à candidatura de Hermes da Fonseca à presidência do Brasil, em 1909, formando a Junta Feminina pró-Hermes-Wenceslau

A primeira associação estabelecida com o objetivo de trabalhar pela emancipação das mulheres brasileiras. Esse marco levou Leolinda a fundar, em 1910, na capital do país, o Partido Republicano Feminino (PRF), que buscava dar voz e plena cidadania às brasileiras em todo o território. “O PRF teve uma atuação bem significativa até 1922”, mas no entanto “depois foi cada vez mais eclipsada”, relata a historiadora.

Segundo ela, outras personagens desconhecidas também construíram esse feito, como as advogadas Elvira Komel, Mirthes de Campos, Natercia da Cunha Silveira, a escritora Almerinda Gama e a jornalista Diva Nolf Nazario. “Todas contribuíram de formas variadas para que o voto já fosse aprovado no Brasil em 1932, nos colocando como um dos primeiros países no continente americano a estender o direito de voto para as suas cidadãs.”

Bertha Lutz: quando o voto feminino foi conquistado

Créditos: Arquivo/ONU

A bióloga Bertha Maria Júlia Lutz contrastava com Leolinda na luta pelos direitos. Em vez de confrontos diretos, ela favorecia pronunciamentos públicos, cartas à imprensa e apoio de líderes masculinos. Bertha fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), também com o objetivo principal de conquistar o sufrágio feminino e a partir daí, a LEIM se tornou um farol de esperança e ativismo, abrindo um novo caminho para a luta pelos direitos das mulheres no Brasil.

No entanto, Mônica lembra que as primeiras sufragistas ainda pertenciam à classe média. “Quase todas pertencentes a uma elite intelectual, com escolaridade mais elevada que a maioria da população no período e outras filhas da elite econômica”, afirma. Naquela época, ainda não ocorreu a popularização do voto. Tanto para mulheres quanto para homens, o direito ao voto era limitado aos cidadãos alfabetizados, uma regra que, na prática, excluía grande parte da população de baixa renda.

Para além do voto

Como indica o artigo da historiadora, “apesar de tal direito ter sido sacramentado por um decreto governamental, esse não foi uma concessão do governo de Vargas, mas sim fruto de um processo que se iniciou em meados do século XIX se estendendo até a conquista do sufrágio feminino no início da década de 1930”

Para a ela, o caminho no meio político para as brasileiras ainda é muito desafiador no século XXI. “Mudou pouco na realidade. O cenário político brasiliero continua não sendo acolhedor para as mulheres. Nesse ambiente elas não são vistas com naturalidade e nem tratadas de forma igual aos homens, elas foram reconhecidas como eleitoras mas não como candidatas, como representantes legítimas de todos, homens e mulheres”

Além disso, mesmo que a presença de mulheres no Congresso tenha aumentado mais em 2022, ainda continua sendo inferior à média mundial, como aponta a pesquisa da União Inter-Parlamentar (UIP). A taxa do Brasil é próxima aos índices que existiam na Europa há quase 30 anos. Dados do estudo apontam que a representação feminina na Câmara dos Deputados alcança 17,7%, enquanto no Senado esse número é de apenas 16%, ambos contra 25% dos assentos ocupados em 47 eleições ao redor do mundo no mesmo período. Em uma reportagem produzida pela Fórum em janeiro deste ano, dados do Ministério Público Federal (MPF) ainda mostraram que durante campanhas eleitorais femininas, a violência política contra as mulheres aumentou 151%.