Nem o melhor marketeiro encontraria um timing tão perfeito para lançar o novo EP do cantor e compositor Rinas Francisco. "Canções de Ninar o Fim do Mundo" chega às plataformas logo após o retorno de Donald Trump à Casa Branca, agora com controle da Câmara, Senado e Suprema Corte, e após o avanço da extrema direita fundamentalista na eleição municipal do Brasil... Dois fatos que podem muito bem representar o fim do mundo.
Integrante da novíssima geração da música brasileira, Rinas Francisco reflete sobre o momento atual do mundo ao longo das quatro faixas que compõem o seu novo EP. O cantor e compositor aborda temas profundos como existencialismo, esoterismo e as angústias contemporâneas com uma música que flerta com o pop contemporâneo, mas também com o clássico.
Com "Canções de Ninar o Fim do Mundo", Rinas Francisco propõe uma reflexão crítica em meio à tensão de um mundo em colapso, onde a Música Popular Brasileira se distancia das raízes. “A minha arte reflete o momento histórico que estamos vivendo. E o artista que não medita sobre a gente é apenas um reprodutor. Eu já nem sei mais quem é artista de plástico ou natural, saca?” Rinas provoca. “Enquanto a música popular brasileira se esquiva do fim do mundo, eu canto ele. Salve-se quem puder.”
A seguir, você confere um faixa a faixa que a Fórum fez com Rinas Francisco, que também comenta outros assuntos que aparecem nas suas composições.
Fórum - Fale um pouco sobre você. Como funciona o seu processo de criação etc.
Rinas Francisco - Eu tô na área da música desde 2018, porém eu sempre soube que eu sou artista, sabe? Desde criança, os palcos sempre me cativaram muito, a questão da arte, as luzes, tudo sempre me cativou bastante, e é uma coisa que eu não sei dizer o porquê, sei lá, acho que nasce com a gente. Então, eu escolhi a música como um veículo, como uma plataforma pra minha mensagem. Antes de tudo, eu sou escritor, a música surge pra mim como uma mensagem, sabe?
E aí depois que eu escolho a mensagem, a letra, o texto, a poesia, aí eu parto pra melodia e as formas que eu quero dizer aquilo que eu estou dizendo, sabe? E quando eu descobri esse veículo, que é a música, que é a melodia, a frequência, eu pirei, desde 2018 eu estou nessa da música, e tentando um espacinho no palco, né?
Em "Canções de Ninar o Fim do Mundo", eu chutei o balde, eu quis falar: já que é pra ser independente, então vamos ser independente mesmo. Já que é pra estar por fora, vamos estar por fora falando quem está por dentro. Eu fiz isso, eu fui pro pop, um pop rock, mas com letras que falam pra mais pessoas. Eu parti pro povo, porque artista sem o povo é um artista falido, é um artista de bolha, e não é o meu caso, não como artista independente.
Fórum - Em "Cuidado", você fala das relações em apps, solidão e rumo na vida. O que você acha desse novo modo de vida?
Rinas Francisco - A música "Cuidado" tem uma relação muito íntima pra mim. No começo desse ano, eu sofri várias tentativas de anunciarem o meu fim. E a todo momento, a toda hora, a todo segundo, estão tentando anunciar o meu fim. Mas eu acho que o fim do mundo são os outros. O fim é só um conceito. O fim, no fim de tudo, é só o começo, sabe? Pra uma coisa nova, pra uma coisa que está vindo. Então, por mais que eu fale de aplicativos, de solidão, de rumo da vida, e fale também da questão da alienação, né?
Fórum - Em "Com Razão", você dá a entender que todo mundo é mentiroso... é isso mesmo?
Rinas Francisco - Todo mundo é mentiroso? Olha, pergunta difícil, vamos ver se eu consigo responder num sentido claro e, se eu não conseguir, você pode me perguntar de novo. Eu acho que no sistema que nós estamos vivendo, da valorização do progresso, do dinheiro como sinônimo de sucesso, do like, da curtida, do "eu sou, olha como eu sou referência, olha como eu sou um exemplo pra coisa toda", eu acho que a gente acaba aprendendo a mentir porque ninguém aqui é Jesus Cristo, ninguém é perfeito. Mas quando a gente é obrigado a manter e passar uma imagem, a coisa fica muito mais melindrosa, como dizia minha avó, fica muito complicado. Eu acredito que em todos os lugares agora há um jogo de status muito esquisito - no trabalho, no trem, na academia, em todo canto, a gente tem que manter um status pra não sei o que. Então, com razão, eu digo sobre isso: a gente aprendeu a mentir e tá bom, o sucesso é o dinheiro, ok, tá legal, o progresso é bom, ok, mas até que ponto isso é bom pra todos nós? Eu sei que a gente chega nesse âmbito individual da coisa, do é bom pra mim, mas e pra todos nós?
Pra onde é que nós estamos caminhando com esse pensamento? Não sei, essa é a divagação que eu quero fazer. Fora também sobre a questão da gente mentir pra si mesmo, sabe? A coisa da auto-sabotagem. A gente fica tão pressionado com esse sistema que acaba esquecendo da gente mesmo e acaba mentindo pra si mesmo, porque seguir a intuição tá difícil, e aí a gente acaba mentindo pra gente mesmo.
Fórum - "Positivo e Operante" - aqui temos uma vibe Raul Seixas, né? Fala um pouco sobre.
Rinas Francisco - Desde o começo da minha carreira, as pessoas falam muito sobre a minha semelhança com Raul Seixas. Até questão visual mesmo, sabe? E nunca foi algo pensado ou planejado em relação a isso.
Eu apenas faço a minha arte, o que eu acho que é. Porém, um artista do século XXI, é impossível não ter suas referências. E Raul, é óbvio, é uma das minhas referências. Não só Raul, mas também Maria Bethânia, Juca Chaves, Dalva de Oliveira, Agnaldo Timóteo, sabe?
Eu gosto muito de misturar todas essas minhas referências. E Raul é uma delas. E como todo mundo sempre disse que eu parecia muito com Raul, eu quis assumir essa questão logo de uma vez, sabe? Por que também não parecer com Raul?
Fórum - "Sem Rolê" - Aqui você brinca com várias figuras da música brasileira contemporânea e dá a entender que não se encaixa nessa nova música brasileira. Caiu a qualidade? Fale um pouco.
Rinas Francisco - Eu realmente acho que eu não me encaixo na música popular brasileira hoje em dia, até mesmo por isso que eu tô "Sem Rolê", mas não pela questão de que caiu a qualidade, porque eu não sei o que é música com qualidade ou música sem qualidade, sabe?
Eu acho que a música tem uma função de provocar ou de provocar um sentimento em você. Então, se ela provoca ou não, é uma outra questão. Agora, qualidade não tem nada a ver com isso. Eu não tô fazendo uma questão, eu não tô fazendo uma provocação sobre qualidade, sabe?
É mais sobre um espaço na música popular brasileira. Eu acho que a música popular brasileira hoje em dia tá muito glamourizada. Tá todo mundo cantando no "house da fama", sabe? Tá todo mundo querendo ser Deus, uma divindade, um orixá na terra, dono da sabedoria e das coisas todas. Ninguém me toca. Eu acho que a música popular brasileira hoje em dia está muito longe do Brasil, sabe?